Do lixo à mesa da Eucaristia: testemunho emocionante de acolhida do pobre

“Assim a morte age em nós, mas a vida, em vós” (2Cor 4,12)

Até onde estamos dispostos a ir para salvar a vida de uma pessoa? Quero contar a experiência do Ricardo, um Filho da Aliança (que é como chamamos os nossos acolhidos) que foi retirado das ruas e teve sua dignidade restaurada.

No ano de 2016 uma vez por semana fazíamos evangelização de rua, sempre encontrávamos os mesmos irmãos e fomos criando um laço de amizade com eles, de maneira especial com “Camara”, como gostava de ser chamado, (abreviação de camarada).

Um homem simpático, sorridente e aberto a nos receber. Algumas vezes encontrávamos Camara com outro senhor, a quem dava comida e cuidava como se fosse seu filho. Todas as nossas tentativas de aproximação e conversa eram frustradas, devido a que falava sozinho, estava sempre se arrastando, não caminhava e parecia mais um animal que um ser humano.

Tinha as mãos e os pés pretos de sujeira, pois sempre estava mexendo no lixo, onde muitas vezes comia do que encontrava ali. Lembro-me de em uma oportunidade encontrá-lo “literalmente” nadando em um lixão. As vezes não o encontrávamos e ficava dias sem aparecer.

A mudança através da confiança

homem na sarjeta
Homem na sarjeta nas ruas de Caracas/Venezuela.

Tudo começou a mudar em uma noite de evangelização quando o encontramos no mesmo lugar que costumava ficar. Logo que chegamos percebemos que tinha o dedo do pé esquerdo machucado, com muita dificuldade conseguimos que ele nos contasse o que tinha acontecido.

Um carrinho de carga havia passado por cima do dedo deixando dois cortes. Oferecemos ajuda, mas como sempre a comunicação era difícil e ele não quis aceitar. Na semana seguinte voltamos e o encontramos de novo, desta vez estava deitado no meio do lixo; quando nos aproximamos não acreditávamos no que víamos, o dedo estava cheio de bichos e tinha a ponta pendurada!

Ele disse que não aguentou a dor que sentia e começou a puxar o dedo até que se desprendeu. Desta vez aceitou nossa ajuda e imediatamente o levamos ao hospital.

Chegamos por volta das 22h, com muito esforço conseguimos que o médico o visse, já que estava todo sujo e o cheiro que saia do dedo era insuportável. Depois de algumas horas o médico começou a limpar e a fazer o curativo. Perdemos a conta de quantos bichos saíram naquela noite. Feita uma primeira limpeza, o levamos para nossa casa, pois no outro dia precisava voltar para continuar o curativo.

Naquela noite nenhum de nós dormiu.

Nosso amigo tinha um nome

Ricardo (era o seu nome) permaneceu conosco. Descobrimos que sofria de esquizofrenia e que precisava tomar remédios para permanecer lúcido. Com o tratamento e tomando os remédios parecia outra pessoa, já não falava tanto sozinho e até nos contava coisas de sua vida.

pobre revira lixo a procura de alimento.
Foto/abs.com.py: pobre revira lixo a procura de alimento.

Em alguns meses o pé estava curado; infelizmente não foi possível salvar o dedo, mas pelo menos não perdeu o pé, o que seria provável se não tivesse cuidado rápido. Depois de um tempo entramos em contato com sua família; tinha um irmão mais velho e um filho que moravam na cidade.

Com o pé curado Ricardo voltou para a casa do irmão, pois não tínhamos possibilidade de que continuasse conosco, (na época estávamos em quatro missionários). Seguimos acompanhando seu processo, buscando os remédios que precisava e fazendo algumas visitas.

Depois de alguns meses Ricardo voltou às ruas. Ficava um tempo na rua e outro na casa do irmão, deixou de tomar os remédios e voltou à mesma condição de antes.

Em junho deste ano uma missionária estava voltando para casa e o encontrou, ele disse: “Quando você vai me levar para sua casa?” Ela disse: “Vamos“. E assim Ricardo voltou a morar conosco, porém era preciso recomeçar tudo de novo, voltar com os remédios, dar banho, atenção e acima de tudo amor e paciência.

Na primeira noite por volta da meia noite começou a gritar e querer sair para a rua, segurou uma pedra para lançar em nós, foi preciso segurá-lo com força e dar remédio para que se acalmasse, por fim acabou dormindo.

Durante a primeira semana tivemos que buscá-lo três vezes, pois fugia de casa. Depois de um tempo as coisas voltaram ao normal.

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Alimentar-se do Pão do Céu

Hoje Ricardo mora conosco, já não é preciso mantê-lo “preso”, faz sua higiene pessoal sozinho, conversa, ri e até conta piadas. Descobrimos que quando era jovem tinha feito primeira comunhão e conversamos com ele sobre a importância de voltar a comungar; buscamos um padre para que se confessasse e voltou a comungar.

Emociono-me ao pensar que um homem que por vários anos comia todos os dias comida do lixo hoje quase todos os dias comunga o corpo de Cristo. Com isso tenho a certeza de que vale a pena todo sacrifício para resgatar uma vida.

Hoje Ricardo é um testemunho vivo da misericórdia de Deus, que nos diz que não existe miséria que não possa ser transformada pelo amor. Peço a Deus a graça de que possamos encontrar muitos outros “Ricardos” ao longo da vida e que sempre possam encontrar nossa porta aberta. Nesta sociedade marcada pela indiferença e pela cultura do descartável, que sejamos diferentes e dispostos a dar tudo para que outros tenham vida. Assim seja.

 

Francisco Luís

Missionário da Comunidade de Vida, na Venezuela

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