A misericórdia revelada na Cruz e na Ressurreição – João Paulo II

A misericórdia de Deus é relevada em toda a vida de Cristo, mas em especial na sua cruz e ressurreição.

Se tentarmos entender toda a verdade sobre a misericórdia divina, precisamos olhar para cruz.

Devemos penetrar de maneira profunda nesse acontecimento final que, particularmente, na linguagem conciliar, é definido como mysterium paschale (mistério pascal).

Se a realidade da Redenção, na sua dimensão humana, revela a grandeza inaudita do homem que mereceu tal e tão grande redenção, a dimensão divina da Redenção permite-nos descobrir de modo épico a profundidade do amor que não volta atrás mesmo diante de tão grande sacrifício.

Quando olhamos para os acontecimentos da Sexta-Feira Santa, já na madrugada no Getsêmani, vemos um pouco da revelação da misericórdia. Aquele que passou fazendo o bem era então ultrajado, preso, flagelado, condenado e humilhado. Recebe uma coroa de espinhos, é pregado na cruz e morre em meio a tormentos inexplicáveis, torna-se digno de misericórdia.

Apresenta-se particularmente merecedor da misericórdia dos homens, a quem fez o bem; mas não a recebe. É abandonado por todos, até aqueles discípulos a quem chamou de amigos, ficando apenas a mãe e o discípulo amado com outras mulheres.

Cristo, enquanto homem, sofre realmente e de um modo terrível no Jardim das Oliveiras. No Calvário, dirige-se ao Pai, àquele Pai cujo amor Ele pregou aos homens e de cuja misericórdia deu testemunho com todo o seu agir.

Na Paixão e morte de Cristo — no fato de o Pai não ter poupado o seu próprio Filho, mas o ter tratado como pecado por nós, manifesta-se a justiça absoluta, porque Cristo sofre a paixão e a cruz por causa dos pecados da humanidade.

A dimensão divina da Redenção não se verifica somente em ter feito justiça do pecado, mas também no fato de ter restituído ao amor a força criativa, graças à qual o homem tem novamente acesso à plenitude de vida e de santidade, que provém de Deus. Deste modo, Redenção traz em si a revelação da misericórdia na sua plenitude.

O mistério pascal é o ponto culminante da revelação da misericórdia, capaz de justificar o homem e de restabelecer a justiça como realização do desígnio salvífico que Deus, desde o princípio, tinha querido realizar no homem e, por meio do homem, no mundo, Cristo, ao sofrer, interpela todo e cada homem e não apenas os crentes.

Até o homem que não crê poderá descobrir n’Ele a eloquência da solidariedade com o destino humano, bem como a harmoniosa plenitude da dedicação desinteressada à causa do homem, à verdade e ao amor.

A Cruz de Cristo é a maior manifestação da misericórdia, mas também é testemunha da força do mal em relação ao próprio Filho de Deus: o inocente que paga por nossos pecados.

A Cruz é o modo mais profundo de a divindade se debruçar sobre a humanidade e sobre tudo aquilo que o homem, especialmente nos momentos difíceis e dolorosos, considera seu infeliz destino. A cruz é como que um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem.

Com efeito, a Cruz de Cristo nos faz compreender as mais profundas raízes do mal que mergulham no pecado e na morte, e também ela se torna sinal escatológico. Será somente na realização escatológica e na definitiva renovação do mundo que o amor vencerá, em todos os eleitos, os germes mais profundos do mal, produzindo como fruto plenamente maduro o Reino da vida, da santidade e da imortalidade gloriosa.

É a Eucatastrofe explicada pelo autor britânico Tolkien, a morte que traz a vida, a jornada que não termina na cruz, mas três dias após, com a ressureição, vence o mal, e nos dá a liberdade. É a misericórdia divina que desce na miséria humana para justificá-la, perdoá-la e leva-la novamente ao Pai.

Na realização escatológica, a misericórdia vai se revelar como amor, enquanto no tempo presente, na história humana, que é conjuntamente história de pecado e de morte, o amor deve revelar-se sobretudo como misericórdia e ser realizado também como tal.

Deus revela também de modo particular a sua misericórdia quando solicita o homem, por assim dizer, a exercitar a «misericórdia» para com o seu próprio Filho, para com o Crucificado.

Cristo, precisamente como Crucificado, é o Verbo que não passa, é o que está à porta e bate ao coração de cada homem, sem retirar a sua liberdade, mas procurando fazer irromper dessa mesma liberdade o amor; amor que é não apenas ato de solidariedade para com o Filho do homem que sofre, mas também, em certo modo, uma forma de «misericórdia», manifestada por cada um de nós para com o Filho do Eterno Pai.

O homem, que é aquele que recebe a misericórdia, é também, em certo sentido, aquele que ao mesmo tempo exerce a misericórdia?

Em última análise, não é acaso está a posição que toma Cristo em relação ao homem quando diz: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos… foi a mim que o fizestes”?

As palavras do Sermão da Montanha — Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia — não constituem, em certo sentido, uma síntese de toda a Boa-Nova.

O mistério pascal é Cristo na cúpula da revelação do imperscrutável mistério de Deus. Na sua ressurreição Cristo revelou o Deus de amor misericordioso, precisamente porque aceitou a Cruz como caminho para a ressurreição.

É por isso que quando lembramos a cruz de Cristo, a sua Paixão e morte, a nossa fé e a nossa esperança concentram-se n’Ele Ressuscitado naquele mesmo Cristo.

Este é o Filho de Deus que na sua ressurreição experimentou em si de modo radical a misericórdia, isto é, o amor do Pai que é mais forte do que a morte. Cristo pascal é a encarnação definitiva da misericórdia, o seu sinal vivo: histórico-salvífico e, simultaneamente, escatológico. Neste mesmo espírito, a liturgia do tempo pascal põe nos nossos lábios as palavras do Salmo: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”.

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Fonte:

CARTA ENCÍCLICA DIVES IN MISERICORDIA – DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II – SOBRE A MISERICÓRDIA DIVINA

 

 

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