UNGIDOS E CONSAGRADOS PELO ESPÍRITO

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1ss).

 

No ano de 2023 prescrutamos o mistério da nossa vocação respondendo ao apelo de vivermos “Enxertados em Cristo”, retomando a centralidade de Jesus Cristo, Filho de Deus, Mestre e discípulo do Pai, a vida infinita, verdade absoluta e caminho que precisamos seguir para alcançarmos a Deus. Prosseguimos neste ano de 2024 com a mesma tarefa “prescrutar com docilidade o coração misericordioso de Jesus, do qual jorra a fonte de água viva (cf. Jo 7,38), no desejo de descobrir a sua vontade para cada tempo nesta família Aliança de Misericórdia”.

O caminho espiritual para este ano de 2024 traz o tema “ungidos e consagrados pelo Espírito”, impulsionado pela nossa Palavra Constitutiva presente nos escritos do profeta Isaías 61,1ss e no Evangelho de Lucas 4,18-19, nos dada pelo Senhor desde a nossa fundação no ano 2000. Por esta razão, iremos aprofundar, a cada mês deste novo ano, os valores inegociáveis do nosso carisma, tendo claro que um carisma não é um conjunto de regras, mandamentos ou posturas espirituais e eclesiais que qualquer um possa ou deva seguir. Porquanto, este tipo de relacionamento seria aceitável para um clube de serviço, para uma associação de classe, mas nunca para um carisma.

O carisma é constitutivo, é parte do ser mais profundo de cada um de nós. É uma vontade de Deus para a nossa salvação. Ferido o carisma, seja por excesso de exigências, seja por omissão, os resultados serão o desmoronamento de uma parte importantíssima da identidade do nosso próprio ser como pessoa. Costuma-se dizer, que o carisma é como um cristal muito fino, muito forte, porém, muito frágil, que deve ser manuseado com uma delicadeza e respeito indizíveis, numa aventura de irmãos que buscam a vontade de Deus para as suas vidas e que encontram dentro de si o eco da graça para cumpri-la. Segundo o Padre Amedeo Cencini, o carisma, de fato, não é só um evento “espiritual”, algo de muito piedoso e interessante que se acrescenta a partir de fora, como se fosse algo acessório a uma personalidade já formada, a um ‘eu’ que já sabe tudo de si mesmo. Ao contrário, ele é a revelação da própria identidade e, mais precisamente, daquela parte do próprio eu que espera pela realização. O carisma, cada carisma, é teofania e contemplação de um aspecto particular da realidade de Deus ou da vida de Cristo, e é também descoberta do eu “escondido com Cristo em Deus (cf. Cl 3,3), ou seja, escondido e revelado por aquele mesmo mistério” (Vida Consagrada – itinerário formativo no caminho de Emaús, p. 40).

O texto de São Lucas relata a primeira experiência da Vida Pública de Jesus, na sinagoga de Nazaré, sua terra de criação. Naquela época, o culto da sinagoga tinha duas leituras: a primeira tirada da Lei, a segunda dos Profetas. Não foi por acaso que Ele abriu o texto do profeta Isaias (cf.61,1ss), pelo contrário, Jesus procurou identificar e apresentar claramente o programa da sua missão como aquela descrita pelo profeta. Por isso, afirmou categoricamente: “hoje, se cumpriu essa passagem da Escritura que vocês acabam de ouvir” (4,21). O hoje que ressoa é o hoje da salvação realizada e definitiva. Em muitas ocasiões, voltará a esse hoje e sempre falará da salvação experimentada e não apenas anunciada (cf. Lc 19,9; 23,43). E o hoje está ligado a uma presença: a de Jesus.

Vejamos alguns elementos que nos ajudam a mergulhar neste texto de São Lucas 4,18-19:

  1. O Espírito do Senhor está sobre mim, foi o que Jesus experimentou por meio do seu batismo. Foi sobre Ele que o Espírito repousou, revelando-o não apenas como o ungido, mas como o Filho amado em quem o Pai depositou sua complacência (cf. Lc 3,22). Por isso “ele me ungiu/me consagrou”, me escolheu, separando-me para uma missão específica. O termo “unção” tem a mesma raiz que deriva a palavra “Cristo”, ou seja, o Messias, o Salvador. “E ele me enviou”, expressa o desejo de Deus: salvar e sarar os homens de todos os tempos, porquanto, em Jesus, nota-se que a primeira ação do homem ungido por Deus, do homem que tem o Espírito de Deus, não é uma ação dirigida a Deus, mas uma ação de Deus para os homens.
  2. Anunciar a boa nova aos pobres. O Evangelho é a boa notícia – não uma série de leis, nem uma lista de práticas rituais, nem uma moral, mas uma experiência de Deus que traz alegria, felicidade, – especialmente para os pobres! Portanto, Jesus toma posição – o que é boa notícia para uns, é má-notícia para outros! O que é boa notícia para o oprimido, é má notícia para o opressor, a não ser que mude de vida! Não existe uma boa notícia neutra, igualmente boa para todos! E quem são os “pobres” citados por Jesus? Aqui, não é o pobre de espírito, nem de coração, nem de fé… É o pobre mesmo, aquele/a que não tem o necessário para uma vida digna (Lucas usa o termo grego ptōchois, que significa “indigentes”). Com certeza, aqui entendemos onde está nossa prioridade na evangelização.
  3. Proclamar a libertação aos presos. Não somente aos que estão na cadeia, mas aqueles que estão sem a liberdade dos filhos de Deus – presos numa ditadura do relativismo, como nos alertava o Papa Bento XVI. A Boa Notícia de Jesus vai libertá-los, se formos criativos, ousados e convictos da missão que nos foi confiada. Porém, esta libertação passa primeiro pela radicalidade na vivência da nossa vocação como Aliança de Misericórdia.
  4. Aos cegos a recuperação da vista. Onde estão os cegos dos nossos tempos? Jesus identificou a sua missão como aquele que cura a cegueira
    (cf. Jo 9,1-41) e oferece nova visão (Mc 10,46-52). Observa-se em nossos dias que o mundo tem cegado muitos homens e mulheres pelas ideologias dominantes, com ideias alienantes, pela manipulação de informação pelos meios de comunicação… Vale a pena notar que o texto enfatiza a “recuperação” da vista – não a doação dela. É necessário ver com os olhos de Deus estabelecendo a via da verdade que liberta e transforma o homem.
  5. Libertar os oprimidos. No livro de Êxodo, Deus se identificou como o Deus que liberta os oprimidos (Êxodo 3,7-10). Jesus se coloca – e coloca todos os seus seguidores – neste mesmo compromisso de amar para que muitos possam ter vida.
  6. Proclamar o ano de graça do Senhor. É Jesus o ano da graça do Senhor. Ele é o Reino. No entanto, o Ano da Graça é conhecido também como o Ano Jubilar! Memória da proposta de Levítico 25, o ano do perdão das dívidas, da libertação dos escravos, da devolução das terras aos seus verdadeiros donos.

Estamos neste ano nos preparando para celebrar em 2025 o nosso jubileu de 25 anos de fundação da Família Aliança de Misericórdia. Por isso, revisitemos o fundamento do nosso carisma, seus valores e a sua missão que são os nossos valores e a nossa missão pessoal. Aquilo que muitas vezes parece sabido, precisa ser revisitado para garantir o que deseja o Senhor: nossa fidelidade à sua vontade. Lembre-se que somente o Espírito Santo é capaz de restaurar o que está dividido. É Ele o Doce Hóspede da alma que nos oferece novas vestes e vida nova.

Que este ano seja um ano de reavivamento dos dons, nascimento de coisas novas e unidade dos nossos corações.

Coragem! Ele é fiel!

Paz e Misericórdia!

 

 

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