Trilhar o caminho de cura do coração

Foto: @giulia_bertelli-unplash

Rhema: “Quem crê em mim, como diz a escritura: Do seu interior manarão rios de água viva.” Jo 7, 38

Somos uma fonte

A nossa fé n´Aquele que é a fonte das fontes, a fonte de água viva oferecida a humanidade sedenta, nos faz mais do que simples receptáculos da água que jorra do lado aberto de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz.

Crer em Jesus, como nos apresenta o trecho da Sagrada Escritura que é a inspiração desta reflexão para a cura do coração, nos torna fontes na FONTE. É do nosso interior, do profundo do nosso ser, do nosso CORAÇÃO que a vemos brotar.

Perguntemos-nos: Como está o meu coração? O que o coração tem haver de fato com a espiritualidade? Iniciamos então nossa partilha e reflexão explanando um pouco deste sentido, para depois penetrarmos neste mistério que brota do Sagrado Coração de Jesus para o nosso coração e fecunda o mundo com rios de águas vivas.

O que é o coração?

O coração, no sentido religioso, sempre foi uma simbologia de extrema importância numa representatividade da figura humana e que, também na Sagrada Escritura, ocupa um espaço muito especial. Aquilo que, de forma bem clara, hoje pelo conhecimento científico sabemos ser próprio da realidade psíquica humana, observamos nos textos sagrados remetidos ao coração.

Não era do conhecimento dos antigos o sistema de circulação do sangue e as funções fisiológicas do coração; por outro lado facilmente reconhecíveis e atribuídos a ele as reações emocionais, desta forma ocorre a associação direta do coração como o centro principal da atividade emocional do corpo.

Podemos aqui fazer também esta analogia, exatamente por termos a ciência, que o coração é um dos órgãos principais do corpo humano em sua função, ao mesmo tempo, ainda que não fundamentado de forma científica, nos faz de fato perceber que há desde sempre uma compreensão mais espiritual que lhe pode ser aplicada.

O que as Escrituras dizem

Nos textos da Sagrada Escritura observamos inúmeros sentidos e significações que demonstram isso, para citar algumas delas: a experiência da exultação religiosa (cf. 1Sm 2,1; Sl 13,6; 28;7; 84,3); o coração que sente pesar e tristeza (cf. Pr 14,10.13; Jr 8,18 Jo 14,1), a contrição e quebrantamento (cf. Sl 51,19), que sente amor (cf. 2Cor 7,3; 6,11); a boca transmite do que está cheio o coração (cf. Mt 12,34); é do coração do homem que brotam as más intenções (Mc 7,21; Mt 15,19); é a ele que o Espírito é enviado (cf. Gl 4,6);  e mais uma infinidade de citações que poderíamos aqui levantar.[1]

Mas o essencial para este artigo é refletirmos: entendendo do ponto de vista, tendo o coração como o centro do ser humano, num sentido ontológico[2], mas extremamente significativo principalmente no caráter religioso, como um lugar da habitação de Deus.

A morada de Deus

Arrisque perguntar a uma criança ainda na primeira infância que tenha um lar cristão: “Onde mora o ‘papai do céu’”? E mais rápido que um piscar de olhos ela colocará as mãozinhas no peito e dirá: “Aqui, no meu coração”. Vejamos neste trecho da carta aos Efésios como isso é lindo e fantástico:

“Por esta razão dobro os joelhos diante do Pai – de quem toma o nome toda família no céu e na terra –, para perdir-lhe que conceda, segundo a riqueza da sua glória, que vós sejais fortalecidos em poder pelo seu Espírito no homem interior, que Cristo habite pela fé EM VOSSOS CORAÇÕES e que sejais arraigados e fundados no amor.

Assim terei condições para compreender com todos os santos qual é a largura e comprimento e a altura e profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento, para que sejais plenificados em toda a plenitude de Deus.” Ef 3,14-19[3]

Lei gravada no coração

Ainda neste campo de comparação, também é simples compreendermos esta figura do nosso coração que hospeda a nossa consciência. Trazemos aqui esta linda citação do Catecismo da Igreja Católica que faz brilhar nossos olhos e pulsar nosso coração, observando a riqueza que a Igreja como Mãe e Mestra nos ilumina a cerca desta analogia entre coração e consciência, mostrando que este é o lugar, exatamente por ser onde Deus habita, de encontro do ser humano consigo mesmo:

“Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei RESSOA NO ÍNTIMO DE SEU CORAÇÃO… É UMA LEI INSCRITA POR DEUS NO CORAÇÃO DO HOMEM.. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz.” CIC §1776[4]

Lugar de batalha

Nesta perspectiva, tendo o conhecimento da batalha espiritual que todo ser humano enfrenta em sua vida, uma batalha que não é contra o sangue e a carne, mas contra os espíritos do mal que povoam as regiões celestiais (cf. Ef 6,10-13), que a investida do inimigo é neste “órgão central” que é o coração, sendo ferido e impedido de continuar a exercer a sua função, traz a morte.

Desejamos, mais que tudo, neste paralelo que estamos buscando traçar nesta reflexão, que juntos fazemos, o fato de que o coração como um dos órgãos principais do corpo para a manutenção da vida humana, é refletido no sentido espiritual de uma forma muito direta, e algo para que, assim como na vida natural, na vida sobrenatural sendo atacado e fragilizado impeça o ser humano de continuar vivendo.

A necessidade de cura

Observamos Jesus em diversos dos seus sinais demonstrando que, mais que uma cura física, é necessária à vida humana uma cura profunda, interior, uma cura do coração.

O tão conhecido trecho do evangelho em que aquele aleijado de Cafarnaum é trazido por seus amigos até Jesus, e por conta da multidão, é içado pelo telhado até chegar aos pés do Senhor nos mostra claramente este propósito do Cristo:

“Jesus vendo sua fé, disse ao paralítico: ‘Filho, teus pecados estão perdoados’… Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno – disse ele ao paralítico – levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa”. (Mc 2,5.10-11)

A cura do nosso coração deve ser sempre o primeiro e principal objeto de nossas orações e desejo de santidade. É na pureza de nossos corações que nos tornamos capazes de ver a Deus: “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8).

A pureza do coração

Foto: Bart Larue-unplash.

Que seja claro para todos nós que este “ver a Deus” é muito além do que nossos olhos mortais são capazes. Estamos aqui diante do lindo mistério da simplicidade próprio daqueles que tem um coração puro como nos ensina Santo Agostinho no livro “O Sermão da Montanha”:O coração puro é o mesmo que o coração simples. E, assim como a luz só pode ser vista por um olho limpo, assim também Deus só será visto por aquele que tiver um coração limpo” [5].

Creio que podemos ir ainda além… Este coração puro e curado é capaz de ver a Deus, mas é também capaz olhar com os olhos de Deus para as situações, para os sofrimentos, as dificuldades, a batalha espiritual, a própria vida e a vida dos outros.

Alvo de ataques

Agora passamos a compreender o que citamos acima a respeito da batalha espiritual: o coração é um dos alvos que o inimigo busca atingir para que adoecido, ferido, corrompido, escravo da impureza, da raiva, do rancor, da falta de perdão, seja impedido de lutar, impedido de estar na pureza e simplicidade que o capacita compreender o amor de Deus e amar com este mesmo amor.

“Quem crê em mim, como diz a escritura: Do seu interior manarão rios de água viva.” Jo 7, 38

Por isso, amados irmãos e irmãs, somos convidados a experiência da Graça de Deus que quer nos assistir, a começar no toque em nossos corações, para que possamos experimentar esta cura interior que irá refletir sempre numa cura exterior, seja ela física ou comportamental.

Testemunho

Há alguns anos, em um dos saudosos encontros na Casa Restaura-me com nosso fundador Pe. Antonello, estávamos num retiro de cura interior em que o Senhor numa moção interior trouxe a revelação ao padre de que naquele lugar – tinha naquele retiro mais de mil pessoas – havia uma mulher de meia idade com feridas pelo corpo e, que inclusive, mesmo em pleno verão vestia roupas que cobriam todo o corpo por vergonha destas feridas.

E ainda, era claro na moção que Jesus queria curar aquela mulher, mas não podia fazê-lo sem que ela permitisse. Tal permissão estava atrelada ao perdão, a cura do rancor do seu coração em relação ao seu pai com o qual há muitos anos ela não falava.

A cura do rancor

No segundo dia do encontro, após o almoço e antes da Santa Missa de encerramento, uma mulher se aproximou no intervalo querendo falar com o padre e testemunhou: “Eu sou a mulher que ontem o senhor falou que Jesus queria curar e que tinha rancor do pai. Eu inclusive fui embora do encontro, pois achei que alguém havia contado minha história para o senhor.

Depois em casa chorei muito e sentia uma dor imensa no coração parecendo que ele ia parar, mas era Jesus tocando na minha dor e arrancando o rancor do meu coração.” E continuou narrando: “Há mais de 15 anos tinha raiva do meu pai por vários motivos que ele me fez sofrer.

Ontem, no meio daquela dor, senti que Jesus me dava coragem e resolvi, depois de 15 anos, ligar na casa do meu pai e quando liguei me informaram que ele estava no leito de morte. Imediatamente segui para a minha cidade de origem viajando mais de quatro horas, cheguei na casa do meu pai, ele me pediu perdão, já o tinha feito para todos os filhos e só faltava eu. Nos abraçamos, nos reconciliamos e a paz voltou a reinar na minha família.”

“Estou curada”

Logo após o testemunho esta mulher, que portava foto das feridas que trazia pelo corpo, mostrou seus braços e seus pés dizendo: “Padre, dormi esta noite na casa dos meus pais e saí de lá bem cedinho pois não poderia deixar de testemunhar, as feridas por todo meu corpo desapareceram, Jesus operou este milagre, estou curada, NO CORAÇÃO E NO CORPO!”

Deus quer usar-nos irmãos como instrumentos de sua cura, para isso quer curar os nossos corações, e desta forma, transformar-nos nessa fonte que correm rios de águas vivas que matam a nossa sede, não nos fazendo buscar mais as águas nos poços limitados da nossa existência, e ainda transbordar desta água viva para uma humanidade sedenta pela única água capaz de matar a sua sede.

Busque a Fonte

Não se engane! O inimigo tentará sempre poluir este rio, mudar o seu curso, depositar esgotos para que seja contaminado, por isso, nunca se esqueça que Jesus é o Senhor de todas as coisas e Aquele que está a beira do poço do seu coração te oferecendo a água viva, que vem d´Ele mesmo para que você seja também esta fonte.

Quando perceber que, por seu limite humano, em algum momento acabou permitindo que a fonte de seu coração fosse poluída pelos desvios do maligno, corra para a Fonte, busque o sacramento da confissão que é a maior fonte de purificação capaz de deixar pura e límpida até as águas mais turvas que encontrar e, que por ser um sacramento de cura, trará a saúde interior ao seu coração modificando o seu exterior, e não somente isso, lhe transformará em um agente de misericórdia capaz de jorrar água viva e pura para muitos outros corações.

[1] Cf. MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. (tradução Álvaro Cunha… et al.; revisão geral Honório Dalbosco. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983.p 183-184.

[2] Ontologia (do grego ontos “ente” e logoi, “ciência do ser”) é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres objeto de seu estudo.

[3] BIBLIA DE JERUSÁLÉM, São Paulo: Paulus, 2004. P. 2043. Daqui em diante destacado em itálico com sua identificação diretamente no texto retirado sempre da mesma fonte de tradução bíblica.

[4] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. § 1776. 9ª ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Ave-Maria Loyola, Paulinas, Paulus, Salesiana, 2002. Citado daqui em diante diretamente no texto como CIC e o numero do parágrafo correspondente (CIC 328).

[5] AGOSTINHO, SANTO. O Sermão da Montanha. Minha Biblioteca Católica, Dois Irmãos, RS, 2019. P. 9.

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