Amizade com Cristo: serviço e obediência

 “Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15,14-15)”.

 

O que Jesus a cada mês tem pedido a nós Família Aliança de Misericórdia? Ele nos pede de permanecermos nele, enxertarmo-nos nele e amarmo-nos uns aos outros como ele nos amou. A cada meditação aprendemos d’Ele a vivermos enxertados, porquanto toda a sua vida é mergulhada na vontade do Pai.  As palavras de Jesus em 15,13: “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”, afirma a qualidade do seu amor que se revelará na cruz como ato extremo e expressão máxima de sua vida.  De fato, vimos anteriormente que Jesus ama os seus amigos (discípulos) por iniciativa própria e gratuita. Um amor que não é movido por méritos nem fixado na espera de retribuições.

No contexto dos versículos 13-17 é colocado em foco duas palavras-chaves: mandamento e amor. Como já vimos, no amor mútuo entre os irmãos estão contidos todos os mandamentos de Jesus, nele o cristianismo encontra seu centro e confirmação. Nas intenções do Mestre, o amor é e deve ser sempre o caráter distintivo de cada um de seus discípulos (13,35), de cada comunidade cristã. Esse conceito foi retomado e explicado com mais detalhes, especialmente na Primeira Carta de São João que tem como um dos objetivos apagar os campos de ciúmes, inveja e desejo de poder, que afligem qualquer sociedade humana, inclusive a Igreja, formada por mulheres e homens pecadores e sempre inclinados a se rebelar contra o amor misericordioso de Deus, que, por outro lado, está sempre disposto a perdoar. O amor mútuo (1Jo 3,11.23; 4,7.11; 2Jo 5), que equivale ao amor fraterno (1Jo 2,10; 3,10.14), encontra seu campo concreto de ação precisamente na comunidade, cujos membros têm o dever de colocar em prática o preceito divino do amor por meio de sentimentos mútuos de respeito, perdão, compaixão, compreensão, misericórdia, bondade, tolerância e paciência. O modelo exemplar a ser imitado é o próprio Jesus (1Jo 2,6; 3,3.7.16), que mostrou os verdadeiros limites do amor: dar a vida pelos amigos.

Somos uma comunidade que vive como amigos de Jesus? Imitamos a vida de Jesus ou estamos formados em outros modelos de vida?

“Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando”. Se adentrarmos em outros textos do Novo Testamento, numa inspeção mais detalhada, notamos que Jesus foi muito além de uma entrega exclusiva para os seus amigos. Ele se sacrificou “também” por seus inimigos, mostrando àqueles que querem segui-Lo que o verdadeiro amor não faz distinção entre amigos e inimigos, entre bons e maus, entre justos e injustos. Porquanto, somente o amor pode justificar a escolha louca e irracional da cruz. Aqueles que não acreditam na opção do amor de Cristo não conseguem entender o significado do sofrimento e da morte violenta, suportados voluntariamente pelo Filho de Deus, mas procuram eliminar de seu horizonte qualquer apelo ao supremo auto-sacrifício, começando pela própria cruz que representa seu símbolo por excelência. Veja, o amor de Jesus por seus “amigos” não faz concessões; quem quer que esteja disposto a segui-Lo e imitá-Lo, na renúncia voluntária do bem supremo de sua própria vida em benefício de seus semelhantes, tem o direito de se considerar “amigo de Jesus”. Nesse sentido, o chamado a caminhar com Jesus deve ser entendido nestas palavras: “quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa a encontrará” (cf. Mt 16,25). A condição necessária para ser amigo de Jesus é observar seus mandamentos, resumidos por aquela ordem incisiva e categórica pronunciada em Jo 15,12: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.

“Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai.” A amizade (em grego: philìa) era um tema muito importante para o mundo greco-romano; no mundo judaico faltava um termo equivalente, mas não faltava o seu conteúdo, como é possível identificar no pacto de amizade celebrado entre o futuro rei Davi e Jonatas, filho de Saul conforme 1Sm 18,1-3. A ideia de amizade, tal como era entendida na cultura dos gregos, chegou ao mundo judaico somente entre os séculos IV e II a.C., influenciada justamente pela cultura grega dominante da época. No judaísmo, contemporâneo de Jesus, Abraão e Moisés eram considerados os “amigos de Deus” ou os “confidentes privilegiados de Deus”. O tema da amizade nos textos dos Evangelhos encontramos somente em Lc 12,4 e Jo 15,13.15 referente a pessoa de Jesus. Encontramos de modo particular no Evangelho segundo São João uma sensibilidade em relação ao tema da amizade, enriquecendo esse sentimento tipicamente humano com o sentimento primorosamente judaico de “fraternidade” (3Jo 15). Nesse contexto, a amizade cristã recebe uma marca nova e inovadora do amor de doação de seu amigo Jesus, o exemplo e modelo de toda amizade humana.

“Eu vos chamo amigos.” A amizade implica confiança, participação, compartilhamento, troca igualitária de sentimentos e intenções, igual dignidade nas relações interpessoais, reconhecimento mútuo de direitos e deveres; ao contrário, o servo só deve obedecer ao que lhe é ordenado fazer ou não fazer, anulando sua própria vontade de agir e sua própria autonomia de julgamento. O título de amigo deve constituir, para os discípulos, o verdadeiro e único motivo para cumprir o mandamento de amor desejado por Jesus e fundamentado no sacrifício supremo de si mesmo. Em outras palavras, os discípulos podem se considerar amigos de Jesus se fizerem o que ele ordena, sem reservas e sem astúcias intelectuais. O discipulado é um caminho que não visa uma mudança de linguagem, mas sobretudo, a transformação do coração do homem que escolheu escutar as palavras de Jesus e colocá-las em prática (cf. 13,17). Os textos das cartas de São João sublinham o desejo de Cristo para uma vida em comunidade: Deus não sabe o que fazer com homens que são “escravos” dos próprios hábitos, presos a lugares e práticas religiosas que são formalmente irrepreensíveis, mas vazias de substância. Deus procura verdadeiros amigos, livres e capazes de entrar em harmonia com Ele sem renunciar às próprias faculdades intelectuais e afetivas, na firme decisão de amar para “que muitos possam ter vida” (cf. 1Jo 2,29; 3,7.18.22; 4,20; 5,2f).

O servo não sabe o que seu mestre está fazendo e nem mesmo é obrigado a fazer um esforço para entender e compartilhar os pensamentos de seu mestre ou sua maneira de agir, mas deve se limitar a seguir as ordens de seu mestre com diligência e precisão, se não quiser sofrer reprovação e punição. Ao contrário, os discípulos de Jesus são seus amigos porque ele lhes confidenciou tudo o que ouviu do Pai. O conhecimento (gnōsis) da verdadeira essência do Pai permitiu que os discípulos se tornassem membros da família de Deus, seus amigos, participantes de suas escolhas e projetos, executores conscientes e livres de seu plano de salvação. A profunda intimidade, eterno conhecimento e amor mútuo entre o Pai e Jesus, também envolve os discípulos como um dom gratuito desta “amizade”: Eu vos chamei amigos, porque tudo o que ouvi do Pai vos dei a conhecer. Portanto, cada homem não pode aspirar à comunhão íntima com Deus por si mesmo, confiando apenas em suas próprias capacidades racionais e psicológicas, mas deve confiar-se a Cristo, único mediador entre Deus e os homens e garante de um vínculo de amizade reciprocamente livre e gratuito, cujos elementos peculiares são a verdade e a confiança em Deus (1Jo 3,21).

Irmãos, pedimos que voltem a ler individualmente estas palavras que tentaram exprimir algumas verdades sobre estas afirmações tão profundas e fundamentais para a nossa vida em comunidade, pois entendemos que elas estão além de sua compreensão imediata. Com o auxílio do Espírito Santo pedimos ao Senhor que estas palavras penetrem profundamente nossa vida e que nossa vida revele em cada passo a sua vida capaz de oferecer-se por amor. Seja um amigo de Jesus! Sejamos a comunidade dos amigos de Jesus!

Coragem!

Paz e Misericórdia!

PROPOSTA PARA A VIVÊNCIA DA PALAVRA DO MÊS:

– Vivência Pessoal: sou um amigo de Cristo? Como tenho cultivado minha amizade com Ele? Sou um servo ou amigo de Cristo?

– Vivência comunitária: Partilha comunitária sobre a construção de uma verdadeira amizade.

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