Aviso aos navegantes: Não leia Bíblia!

Foto: Priscilla Du Preez-@priscilladupreez-unplash.

Em setembro a Igreja no Brasil celebra o mês da Bíblia. É um tempo em que somos convidados de forma ainda mais especial a dedicar um tempo de qualidade para ler, meditar, contemplar e viver a Palavra de Deus.

O que é importante

Este título provocante e ainda vindo do carisma da Aliança de Misericórdia onde a Palavra é a principal regra de vida[1], digamos que seria o suficiente para minimamente exigir um esclarecimento e/ou uma retratação, parece que tem alguma coisa errada aí! Mas vamos com calma e vamos entender.

Temos partilhado alguns conteúdos com vocês em que o desejo se focaliza mais num aspecto dogmático da nossa fé, perscrutar o que crê e ensina a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, o que requer de nós um conhecimento mais profundo, não qualquer conhecimento, mas aquele que nos faz amar por ter conhecido, como nos ensina Santo Agostinho: só é possível amar o que conhecemos.

Quanto mais conheço a Igreja e seus ensinamentos mais a amo, e quanto mais amo a Igreja mais eu sou Igreja, a noiva que espera e clama com o Espírito a vinda do Esposo. (Cf. Ap 22,17)

Caminho pedagógico

Em setembro a Igreja no Brasil celebra o mês da Bíblia. É um tempo em que somos convidados de forma ainda mais especial a dedicar um tempo de qualidade para ler, meditar, contemplar e viver a Palavra de Deus.

É no mês de setembro fazendo referência a São Jerônimo que foi um grande estudioso da Sagrada Escritura e quem traduziu a Bíblia do Grego e Hebraico para o Latim, que foi chamada de “Vulgata” e se tornou a tradução oficial da Igreja no Concílio de Trento. Então desde o ano de 1947 se celebra o dia da Bíblia, data de falecimento do Santo.

Então vamos lá… Por que o título: NÃO LEIA A BÍBLIA?

Não podemos e nem devemos ler a Bíblia de qualquer jeito. Este pedido se limita àqueles que por não conhecer ocorrem no erro da leitura fundamentalista da Sagrada Escritura não tirando dela então um bom proveito, ou até pior, diante do engano apoiar sua vida, suas decisões, seu conhecimento de Deus em interpretações errôneas.

Exemplos desastrosos

Imagine só o que significa alguém tirar um texto do contexto de forma isolada e tomar aquilo para si. Há quem diga que certa vez um jovem após terminar seu namoro, às lágrimas tentou se consolar com a Palavra de Deus.

Tomou a Bíblia, abraçou em seu peito e pensou de achar ali a resposta para a sua dor e o que deveria fazer. Abrindo a Bíblia, de olhos fechados, apontou com o dedo ao texto que lhe deu a orientação em Mt 27,5: “..saiu e foi enforcar-se.”

Sem contar o perigo da falta de atenção lendo alguma palavra de forma equivocada. Um acontecimento verídico nos narraram que uma senhora muito simples indagou o seu pároco afirmando categoricamente ter lido na Bíblia que Jesus ensinava a matar os inimigos.

Curioso, o padre pediu que ela mostrasse a passagem e ela tomou Jo 18,11 lendo em com voz firme: “Jesus disse a Pedro: Enfia tua espada na ‘banha’”, equivocada ela trocou “bainha” por “banha”.

A autoridade da Igreja

É preciso compreender que a Bíblia foi escrita dentro de um contexto histórico, político, econômico, social e religioso de Israel. Portanto, não podemos nunca tirar o texto de seu contexto maior. Uma leitura feita sem o contexto é uma leitura fundamentalista, ou seja, a leitura ao pé da letra, que nos faz incorrer em sérios riscos.

A leitura fundamentalista é condenada pela Igreja em um documento chamado: “A interpretação da Bíblia da Igreja” que ensina o método correto de ler a Bíblia e mostra que o método fundamentalista não pode ser utilizado.

Além da interpretação fundamentalista temos um problema significativo que está relacionado a uma forma bastante equivocada de interpretação da Sagrada Escritura e que faz incorrer no erro em que qualquer um e de qualquer forma pode compreender o que o texto Sagrado quer dizer… é o que veremos a seguir.

O ponto de ruptura

Com a reforma protestante surge a realidade da livre interpretação defendida por Martinho Lutero que consiste no fato de que o homem é iluminado pelo Espírito Santo no momento que abre a Bíblia, então desta forma todos são iluminados e recebem uma mensagem vinda de Deus.

Sendo que cada um pode dar a sua interpretação vemos claramente toda divisão própria também da realidade protestante que quando não concordo com a “interpretação” dessa ou daquela igreja, então se funda outra igreja à luz de uma “nova interpretação” que tomo por correta.

Mas nem é necessário olhar para “fora dos muros”, quem de nós nunca abriu a Bíblia esperando ou querendo obter a resposta de algo como o jovem narrado anteriormente? Longe de nós querermos excomungar ou duvidar da experiência religiosa de alguém, não é esse o nosso papel aqui. Muito menos dizer que Deus não falaria com alguém desta forma.

De volta às fontes

Queremos nos ater, informar e formar a todos no conhecimento de que só a Igreja Católica Apostólica Romana através do seu Magistério e Tradição é capaz de interpretar inequivocamente as passagens da Sagrada Escritura revelando ao povo de Deus os sinais dos tempos.

Como vai nos ensinar o Catecismo da Igreja Católica (CIC): “Com efeito, a Igreja leva em sua Tradição a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espiritual da Escritura” (CIC §113).

Para uma perfeita compreensão do que queremos expor, nos ajuda o maravilhoso documento do Concílio Vaticano II a Constituição Dogmática Dei Verbum[2] (Palavra de Deus) Sobre a Revelação Divina, que falando sobre a Revelação trata sobre a Sagrada Escritura e sua importância na Igreja.

Transcrevemos aqui parágrafo nº 10 do segundo capítulo da Dei Verbum que não deixa dúvidas de quem e como a Sagrada Escritura pode e deve ser interpretada:

“Porém, o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo.

Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado.” (DV 10)

3 pontos fundamentais

No terceiro capítulo, no parágrafo 12, temos uma seção bem curtinha, mas que de forma magistral nos ilumina a respeito da questão sobre a interpretação da Sagrada Escritura. Destacamos aqui em pontos e os provocamos a visitar o documento e beber da fonte desta riqueza:

1 – Ao interpretar a Sagrada Escritura se faz necessário uma investigação atenta ao que os homens inspirados por Deus (hagiógrafos) quiseram transmitir;

2 – Deve-se levar em consideração outros aspectos como, por exemplo, os gêneros literários (históricos, proféticos, poéticos entre outros). Considerar as questões do tempo, local, contexto de sociedade que o texto foi escrito;

3 – Sua interpretação ainda precisa ser realizada com o mesmo espírito com que foi escrita. Buscando investigar com retidão os textos sagrados, seu contexto e à unidade de toda Escritura, levando em conta a Tradição viva da Igreja e a analogia da Fé.

O parágrafo conclui então nos fazendo entender o LUGAR EXATO de onde e como a Sagrada Escritura deve ser interpretada, nos diz: “Com efeito, tudo o quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a Palavra de Deus.” (DV 12)

O ideal e o possível

Devemos levar em consideração que nem todos têm acesso a um estudo teológico mais aprofundado que lhes dê perícia em conseguir pesquisar e aprofundar os textos Sagrados. Mais ainda, são necessários muitos anos de estudo e especializações para uma compreensão mais ampla do que cada texto quer dizer.

Isso requer profundo conhecimento técnico exegético, habilidade nas línguas que o texto foi escrito, hebraico e grego, e tantos outros conhecimentos técnicos.

Desta forma a Igreja se serve dos seus pastores, de forma especial na pessoa dos Bispos, Presbíteros e Diáconos, e graças a Deus hoje em dia do próprio Povo de Deus através de muitos leigos que se aprofundam no estudo teológico para transmitir a todos a Sã Doutrina também no âmbito da interpretação dos textos Sagrados.

Acesso pelas redes sociais

Como uma mínima e humilde contribuição, recomendamos a todos que desejam conhecer, meditar, contemplar e viver a Palavra de Deus através de uma interpretação correta, prática e espiritual da Sagrada Escritura a acompanharem as homilias diárias nas redes sociais da Aliança de Misericórdia com nosso irmão Pe. Isaac Madureira.

Ele tem nos agraciado com um rico conteúdo de interpretação da Sagrada Escritura e nos ajuda ainda no passo de atitudes concretas que nos fazem comprometer em viver todos os dias a Palavra de Deus.

A Palavra criadora

Cada um de nós é uma Palavra de Deus. Foi pela Palavra que Deus chamou tudo à existência na Criação:

“Deus disse: Haja luz; Haja o firmamento; Que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar e que apareça o continente; Que a terra verdeje verdura; Que haja luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite; Fervilhem as águas um fervilhar de seres vivos e que as aves voem acima da terra, sob o firmamento do céu; Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis, e feras segundo sua espécie; FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM, COMO NOSSA SEMELHANÇA, que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra.” (Cf. Gn 1,1-26)

Nós todos também um dia recebemos da boca de Deus um “FAÇA-SE” que nos trouxe a existência, mas que diferente de todas outras criaturas, fomos criados à Sua imagem e semelhança, pois somos filhos no Filho que é o Verbo, que é a Palavra, “o que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida” por isso que nossa vida só encontra sentido quando configurada a Palavra, assim identifico-me com o meu Criador.

SEJA UMA PALAVRA DE DEUS!

            Paz e Misericórdia

            Júlio Neto

[1] “Seja o Evangelho a nossa primeira e única regra de vida, para que, evangelizados, possamos evangelizar.” Estatutos da Família Aliança de Misericórdia, §29.

[2] Constituição Dogmática Dei Verbum Sobre a Revelação Divina designada doravante com abreviatura (DV) seguida do número do parágrafo correspondente.

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