Religião e política combinam?
Consta dos princípios cristãos o dever de colaborar com a sociedade na busca do bem comum. É ‘sagrado’ o dever de participar leal e responsavelmente da vida pública e política, buscando uma sociedade justa, fraterna e pacífica. A Igreja faz isto a partir do Evangelho cujo núcleo é a pessoa de Jesus Cristo, que veio para salvar a pessoa humana de forma integral e definitiva.
Para esclarecer sobre a participação do fiel cristão na vida pública, social e política, o Pontifício Conselho “Justiça e Paz” publicou no ano de 2004 o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, que estabelece balizas para este fim.
São João Paulo II, na encíclica Sollicitudo Rei Socialis (1987), enfatizava que não é possível amar o próximo como a si mesmo e perseverar nesta atitude sem firme e constante determinação de empenhar-se em prol do bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.
Já o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), na Constituição Conciliar Gaudium et Spes, proclamava que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, são as mesmas da Igreja.
Este dever de colaboração social é também um direito que a democracia, regime que todos prezamos, garante a todos os cidadãos, independentemente de credo religioso. O direito democrático prevê a liberdade de expressão e garante a liberdade religiosa como algo inalienável na construção da civilização. Tais direitos estão explícitos na Constituição Federal Brasileira nestes termos: Art. 5.º, inciso VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. O inciso VIII garante aos que creem o direito de expressão e todos os demais diretos comuns a todos os demais cidadãos: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
O referido direito é internacionalmente reconhecido, como se pode ver na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 18: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito importa a liberdade de mudar de religião, ou convicção, bem assim a liberdade de manifestá-las, isoladamente ou em comum, em público ou em particular, pelo ensino, pelas práticas, pelo culto e pela observância dos ritos. Defendendo os mesmos direitos, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, reza em seu artigo 12: Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião.
Por esses e por outros artigos de leis, nenhum governo, nenhum ideólogo nem qualquer outra pessoa pode, em nome da laicidade, impedir ou cercear a ação dos cidadãos que professam uma religião. Em nome da laicidade, ninguém, a não ser que seja totalitarista ou deseje impor uma ditadura destruidora da democracia, pode negar à Igreja o direito de existir e de se posicionar, de ensinar a seus fiéis e de expressar publicamente suas convicções a respeito da dignidade humana, mesmo porque, esta matéria não é um artigo da sua dogmática, mas faz parte de uma ordem natural aceitável pela pura razão humana.
O Estado pode e deve ser laico, mas não pode ser laicista, nem pode impor uma única religião a ser seguida, como também não pode impor o ateísmo como regra geral ao seu povo, mesmo porque isto já seria uma posição religiosa praticada por ele.
O povo brasileiro, em sua imensa maioria, é fiel e temente a Deus e merece ser respeitado no que lhe atribui a legislação. O respeito e a defesa do direito à prática religiosa são indispensáveis para que haja paz e justiça para todos; do contrário, cair-se-ia no caos social.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo de Juiz de Fora
Fonte: Aleteia.org
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