Medicina: Vocação e Missão

A vocação à medicina é um chamado muito forte, que impele cristão e não-cristãos a trabalharem em prol do ser humano, do seu bem-estar físico, psicológico e social. Os avanços nas diversas áreas do saber médico são imensos e revelam a grande capacidade do homem para descobrir caminhos de cura, alívio do sofrimento e prevenção de doenças.

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Esses altos ideais de ajuda humanitária, que fazem parte desta vocação, dão força para superar os diversos desafios encontrados nesta profissão, a começar pela formação dos médicos, de quem se espera competência científica e sensibilidade, consciência das suas potencialidades, limitações e habilidade para lidar com ambas.

A vivência dessas potencialidades e fragilidades é uma das experiências mais ricas do exercício da medicina. Quanto podemos fazer pelas pessoas! Quanto sofrimento aliviado! Quantos problemas prevenidos com o conhecimento que temos a transmitir!

Por outro lado, quanta impotência experimentamos quando não podemos ajudar, quando não existe remédio, ou o doente não tem recursos financeiros para se tratar, entre outras situações que tornam inviável o tratamento e cura.

Essas situações, além de nos fazer entrar em contato com nossa fragilidade, nos leva naturalmente a questionar a razão de tudo isso… por que Deus permite tanto sofrimento? Por que a doença? Por que a morte? O que fazer diante do inevitável?

As respostas a essas perguntas não podem ser meramente racionais. A doença e a morte questionam o homem em todo o seu ser físico, psíquico, social e espiritual, colocando-o “na parede”.

A perda das forças e capacidades, o desequilíbrio emocional, a experiência do abandono, solidão, inutilidade e perda da fé muitas vezes acompanham as situações de doenças e morte.

O médico, frequentemente assiste a esse drama na vida dos seus pacientes a partir de um lugar ‘privilegiado’, quase ‘de camarote’. É nesse momento que ele tem a possibilidade de passar da plateia para o palco, não como ator principal, pois este será sempre o doente que sofre, mas, como coadjuvante.

Para mim, entrar nessa trama, significa não me deter somente no papel do profissional, mas permitir que a minha alma possa ir além. Sem descuidar dos deveres e ética médica, permitir, à compaixão, seguir um caminho desconhecido e algumas vezes percebido como perigoso pela razão.

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A compaixão normalmente conduz a um campo onde não existem limites precisos entre médico e paciente, doente e são, sábio e ignorante. Experimentar a dor do outro nos torna semelhante a ele, até certo ponto, portador da mesma fraqueza e, surpreendentemente, da mesma potência.

Lembro-me de uma paciente que estava internada em estado grave de depressão psicótica quando eu era ainda médica residente de psiquiatria. Seu sofrimento era imenso, quase desesperador. Passava dia e noite em uma angústia tão grande e nenhum remédio parecia dar algum alívio. Certo dia, chorando, ela dizia que Deus a havia abandonado.

Experimentando aquela imensa dor também em meu coração, eu a motivei a repetir várias vezes a frase que também Jesus gritou na cruz: “Deus meu, Deus meu… por que me abandonaste?”. Mas, não deixei que ela parasse aí: logo em seguida a recordei que Jesus, no auge do abandono, se entregou com confiança ao Pai dizendo: “Pai, em suas mãos eu entrego o meu espírito”. Então, fiz com ela uma oração de entrega e confiança.

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No momento, parecia que nada havia acontecido. Ela continuava muito angustiada, sofrendo demais. Fiquei também eu desolada, sem ter o que fazer. Terminado o meu tempo de estágio na enfermaria, mudei de setor e não a vi mais.

Dois meses depois, voltei à enfermaria e uma jovem mulher veio me cumprimentar sorridente. Não me lembrava daquela pessoa bonita e cheia de vida, que estava prestes a receber alta hospitalar. Demorei alguns minutos para reconhecer que era a mesma que meses atrás estava desfigurada pela dor.

Logo após me cumprimentar, me disse com carinho: “muito obrigada por ter rezado comigo”. Isso me chamou atenção, pois havia ficado 2 meses na enfermaria cuidando dela, em período integral, enquanto a oração não havia durado mais que poucos minutos… mas foi disso que ela se lembrou.

Entendi que nesses poucos minutos havíamos verdadeiramente nos unido, na dor de sua depressão e da minha impotência. Não havia ali uma médica e uma paciente, mas duas pessoas que ansiavam por vida e felicidade. Por isso, a sua vitória se tornou também a minha ao saber da sua melhora.

Situações como essa, ainda que não me tragam todas as respostas a respeito da dor, da doença e da morte, me fazem pressentir que a compaixão que conduz a “descer” até o vale de sofrimentos de alguém também faz “subir” à experiência de paz e confiança filial no Amor que tudo pode curar e dar a vida.

Vale a pena deixar-se conduzir pelo amor!

Ludmila Telles

Médica psiquiatra e missionária consagrada da Aliança de Misericórdia

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