Do escrúpulo à santificação da alma
“É possível tirar bons proveitos de uma tendência escrupulosa para a santificação pessoal e para crescer no caminho espiritual”
A palavra “escrúpulo” vem do latim ‘scrupulus’ e significa “pedrinha”. Bem, o seu significado em latim nos diz muito sobre a sua natureza, sendo este um mal tão presente no caminho espiritual de tantas pessoas que desejam avançar na vida com Deus.
À luz da verdade
É importante olhar para esta realidade com profundidade para conseguir dar os nomes certos para os movimentos que se passam dentro de nós. Enquanto não olharmos com clareza e verdade, estaremos sempre submetidos aos “frutos ruins”[1] desta realidade: tristeza, depressão, culpa e até a vaidade.
Por escrúpulos podemos compreender “uma inquietação excessiva que experimentam certas consciências, pelos motivos mais fúteis, de haverem ofendido a Deus”[2], ou seja, é um contínuo ou recorrente estado de inquietação e de sentimento de culpa, que a alma carrega ao refletir sobre as menores “pedrinhas” que se apresentam em seu caminho espiritual.
Culpa e arrependimento
Antes de aprofundarmos nas causas e consequências do escrúpulo, é muito importante ter claro a diferença existente entre culpa e arrependimento, e o faremos a partir da análise do resultado que cada um deles produz na alma.
A culpa é um sentimento que produz tristeza, desânimo, fechamento e às vezes, desespero. Enquanto o arrependimento é a dor sentida pelos nossos pecados que, vistos à luz do amor de Deus, provoca mudança verdadeira, ou seja, conversão sincera e humilde.
Atitudes de uma alma escrupulosa
Três são as principais atitudes interiores que podem ser vistas como as causas de uma alma escrupulosa: um espírito meticuloso, um espírito mal esclarecido e um espírito obstinado.
No primeiro, a pessoa tende a ter um pensamento obsessivo de que cometeu um pecado, ainda que sem um motivo sério. Esse tipo de pensamento contribui para o desenvolvimento de uma certa depressão nervosa que, no fundo, é uma desordem na maneira como se aprecia as coisas morais.
No segundo caso, a pessoa carrega uma imagem errada de Deus, que vê como um implacável e severo juiz, além de não saber, por falta de autoconhecimento, diferenciar a impressão do consentimento com o pecado.
Já na terceira situação, a pessoa obstinada se fecha em seus próprios juízos, não submetendo-os ao discernimento do confessor ou diretor espiritual, deixando-se guiar muito mais pelas impressões e sentimentos, do que pela razão.
Possíveis consequências
Todas estas causas acabam por se tornar brechas através das quais o mau espírito lança grandes perturbações na alma até conseguir afastá-la da comunhão eucarística e do cumprimento dos seus deveres de estado por culpa, desânimo ou vergonha. A pessoa pode entrar em um estado de fechamento que a afastará das pessoas, da comunidade e da Igreja, atingindo assim o objetivo do demônio: dividir. É preciso estar atento para combater estas tentações com humildade e simplicidade.
Além disso, aos poucos, e às vezes a longo prazo, a pessoa escrupulosa vai-se enfraquecendo gradualmente a ponto de provocar efeitos físicos: angústias incessantes e sentimentos depressivos podem advir dai. Ela vai perdendo a capacidade de discernimento: não consegue separar o que é pecado do que não é, o que é grave do que é leve. Até que, por fim, a pessoa gasta tanta energia espiritual e física em esforços pouco úteis que chega ao desfalecimento e à queda.
Caminho para santificação
No entanto, é possível tirar bons proveitos de uma tendência escrupulosa para a santificação pessoal e para crescer no caminho espiritual. A primeira coisa a ser feita, é submeter os próprios juízos ao discernimento de um bom diretor espiritual e confessor. Agindo assim, além de aprender a humildade através da obediência, não caminhamos sozinhos.
A segunda coisa é “aceitar o escrúpulo como provação e corrigir-se deles pouco a pouco”[3]. O proveito de passar a vê-los como uma provação, servirá para purificar a alma dos pecados e imperfeições que carregamos, porém, com simplicidade e leveza, além de nos aperfeiçoar na pureza de coração e de intenção, que, por sua vez, é fruto do desapego das consolações e interesses pessoais que carregamos diante de Deus.
Simplicidade, obediência e confiança
“É logo desde o princípio que se deve combater o escrúpulo, antes que ele tenha lançado raízes profundas na alma. Ora, o maior remédio…é a obediência a um bom diretor espiritual. Como a luz da consciência se ofuscou, é preciso recorrer a outra luz. Um escrupuloso é um navio sem leme nem bússola; é necessário, pois, toma-lo a reboque.” (Compêndio de Teologia ascética e mística, n. 944).
Por fim, seguindo o conselho de Jesus no Evangelho, é preciso aprender a ser “simples como as pombas”[4] e a acreditar que no céu, temos um Pai amoroso que nos conhece “antes mesmo de sermos formados do ventre de nossa mãe”[5], que sabe até “os fios de cabelo da nossa cabeça”[6] e que, por amor a nós, “trocaria reinos”[7]!
Eu acrescentaria mais um remédio para a cura do escrúpulo: a CONFIANÇA FILIAL no nosso Abbá, nosso Paizinho[8]!
Marina Helena do Cordeiro
Missionária celibatária da Aliança de Misericórdia
Referencias:
[1] A final, como Jesus nos diz no Evangelho “é pelos frutos que se conhece a árvore”.
[2] TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, n. 935.
[3] TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística, n. 943.
[4] Cf. Mt 10, 16
[6] Cf. Lc 12, 7
[7] Cf. Is 43,4
[8] “E por que sois filhos, Deus enviou aos nosso corações o Espirito de seu Filho que clama Abba Pai” (Gl 4,6)
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