Descobridor da síndrome de Down rumo à beatificação
Conhecido como “pai da genética moderna”, o pediatra e geneticista francês Jerome Lejeune foi o responsável pela descoberta da origem da síndrome de Down. O que poucos sabem é que esse cientista católico, morto em 1994 e cujo processo de beatificação está em andamento, foi um firme defensor da santidade e inviolabilidade da vida humana.
Vida
Nascido em 1926, na cidade de Montrouge, na França, Jerome cresceu no seio de uma família que ele mesmo descrevia como a “maior recompensa” recebida em sua vida, que lhe permitiu desenvolver suas aptidões físicas, intelectuais e espirituais.
Iniciou seus estudos de Medicina com o desejo de ser um médico de zona rural. Mas, rapidamente, ele se interessou pelo enigma da deficiência popularmente chamada de “mongolismo”.
Casado a partir de 1952 com Birthe Bringsted Lejeune, Jerome teve cinco filhos. Uma de suas filhas, Clara Lejeune-Gaymard, escreveu a biografia do pai intitulada “A vida é uma bênção”.
A descoberta
Em 1959, aos 33 anos, Lejeune revelou para o mundo a presença de um cromossomo extra no DNA das crianças diagnosticadas com a trissomia 21, a síndrome de Down.
A descoberta ajudou a transformar a vida de pacientes e de famílias que, durante décadas, tinham vivido sob preconceito. Na época, acreditava-se que a síndrome de Down, descoberta em 1866 pelo médico John Langdon Down, fosse um efeito colateral da sífilis contraída pela mãe, doença esta, por sua vez, popularmente associada à prostituição ou condutas promíscuas.
Ao oferecer provas sólidas da raiz biológica da síndrome de Down, o Servo de Deus ajudou os pais dessas crianças a saírem das sombras desse estigma moral.
O Cientista também descobriu a base genética de outras deficiências congênitas, como a síndrome Cri-du-Chat, e avançou na compreensão das causas da síndrome do X Frágil. Ele ainda se antecipou em décadas ao resto da ciência médica ao insistir na importância do ácido fólico para reduzir o risco de muitas malformações fetais, com, por exemplo, a anencefalia.
Reconhecimento
As descobertas de Lejeune lhe renderam a aclamação acadêmica desde cedo. Em 1962, foi indicado como especialista em genética humana na Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo ano em que foi homenageado pelo então Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, com o primeiro Prêmio Kennedy.
Em 1964, foi nomeado diretor do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França e, no mesmo ano, foi criada para ele a primeira cátedra de Genética fundamental na Faculdade de Medicina da Sorbone. O geneticista também ganhou, em 1969, o Prêmio William Allen, honraria mais prestigiosa da sua área, concedida pela Sociedade Americana de Genética Humana.
O Cientista recebeu, ainda em vida, entre várias honrarias e títulos: Doutor Honoris Causa das universidades de Düsseldorf (Alemanha), Pamplona (Espanha), Buenos Aires (Argentina) e da Pontifícia Universidade do Chile.
Era também membro da Academia de Medicina da França, da Academia Real da Suécia, da American Academy of Arts entre outras.
O ‘não’ ao aborto que lhe custou o Nobel
Lejeune, no entanto, nunca recebeu o Prêmio Nobel de Medicina. Ele próprio atribuía isso ao fato de se opor publicamente ao aborto.
Em 1970, quando se discutia na França a legalização do aborto de bebês com deficiências como a síndrome de Down, o Médico se posicionou firmemente contra, usando sempre argumentos fundamentados em seus conhecimentos científicos.
Em 1971, após um discurso contra o aborto no National Institute for Health, Jerome escreveu para sua esposa e sua filha, dizendo: “Hoje perdi meu Prêmio Nobel”.
Ironicamente, graças à pesquisa pioneira de Lejeune, desenvolveram-se os testes de triagem pré-natal, usados hoje pelos médicos para detectar a síndrome de Down em bebês durante a gestação, a maioria dos quais, rotineiramente, é abortada.
Ao perceber que sua descoberta estava sendo usada para violar a vida, o Servo de Deus denunciou esse abuso da ciência como “racismo cromossômico”.
Depois de apresentar, no Senado norte-americano, em 1981, a evidências biológicas de que existe vida humana desde a concepção, o cientista revelou um pouco da “ternura e da maravilha” que a vida intrauterina despertava nele:
“Aos dois meses de vida, o ser humano é menor que o nosso polegar… Ele caberia numa casca de noz, mas já está tudo lá: mãos, pés, cabeça, órgãos, cérebro, todos no lugar. O coração já está batendo há um mês… Hoje, nós sabemos o que ele sente, ouvimos o que ele ouve, cheiramos o que ele cheira e já o vimos até dançando, cheio de graça e juventude. A ciência transformou o conto de fadas do Pequeno Polegar numa história real, que cada um de nós já viveu no ventre da mãe”.
A caridade da ciência
Nadando “contracorrente” de muitos cientistas de sua época, Lejeune via o seu trabalho como profundamente enraizado na relação com os pacientes e com as suas famílias.
Referia-se aos pacientes com síndrome de Down como “meus pequeninos”, atendia os pacientes pobres, com baixos honorários, em sua clínica privada. Para isso, sacrificava tempo relevante de pesquisa, renunciando, assim, a incrementar a própria renda.
Ao longo dos 30 anos seguintes, a pesquisa de Lejeune se concentrou nas causas de doenças genéticas e na busca de meios para tratá-las no útero e atenuar os seus efeitos em crianças e adultos, garantindo para cada paciente a melhor e mais completa vida possível.
Jerome Lejeune também contava com a amizade e admiração de São João Paulo II, que o integrou, em 1981, à Pontifícia Academia de Ciências.
Em 1994, o mesmo Pontífice quis nomeá-lo como presidente da recém-criada Pontifícia Academia para a Vida. No entanto, Lejeune não pôde assumir o posto, pois já estava debilitado pelo câncer que o levou à morte em 3 de abril do mesmo ano.
Um de seus últimos pedidos, relata a filha, foi que o seu funeral recordasse os seus “pequeninos”, os pacientes com síndrome de Down a quem ele amou tão verdadeiramente até o fim. A Fundação Jerome Lejeune, inaugurada após sua morte, dá continuidade à sua ação em favor das pessoas com deficiências mentais. O processo de beatificação de Lejeune foi aberto em 28 de junho de 2007.
Em 1997, São João Paulo II visitou o túmulo de Lejeune, na França, onde se recolheu em oração por alguns minutos. O Papa e amigo o descreveu como modelo do leigo cristão que “utilizou a ciência somente para o bem do homem”.
Segundo fonte do jornal O São Paulo
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