Vocação: escolha, resposta e missão.
“Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto per- maneça. Eu assim vos constituí, a fim de que tudo quanto pedir- des ao Pai em meu nome, ele vos conceda” (Jo 15,16).
No mês passado nossa meditação mergulhou nas palavras em Jesus em que Ele chama os seus discípulos de “amigos e não servos”. Vimos que a “amizade com Cristo” é um título que deve constituir para todos nós, o verdadeiro e único motivo para cumprir o mandamento do amor, que é fundamentado no sacrifício supremo de si mesmo realizado na cruz. Sem dúvidas, o nosso chamado como Movimento Aliança de Misericórdia não tem como missão buscar uma simples mudança de linguagem, mas sobretudo a transformação do coração de cada homem que escolhe escutar as palavras de Jesus e colocá-las em prática (cf. 13,17). De fato, lemos em toda história de salvação que Deus se revela e procura verdadeiros amigos, livres e capazes de entrar em harmonia com Ele sem renunciar às próprias faculdades intelectuais e afetivas, na firme decisão de amar (cf. 1Jo 2,29; 3,7.18.22; 4,20; 5,2f).
No texto deste mês, de imediato, observa-se que o propósito de Jesus é incentivar os discípulos a entrarem com confiança na missão em que Ele estava lhes confiando: “Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando” (cf. Jo 15,14). As palavras de Jesus, apresentam um contraste enfático entre as expressões: “não fostes vós que me escolhestes” e “mas eu vos escolhi e vos constituí” (eu e vós). Jesus estabelece três verdades fundamentais neste v.16. De início, vemos que é Ele quem toma a iniciativa de escolher os seus discípulos, em seguida vemos que o propósito desta escolha é o produzir fru tos que permanecessem, e por fim, esta escolha e a produção de frutos os capacitariam a pedir com eficácia ao Pai em seu nome (cf. Fl 2,9-11).
Muitas vezes supomos que é somente nossa, a iniciativa da conversão e da vocação de uma “vida em Cristo ou vida de santidade”. Neste texto do Evangelho segundo São João, Jesus deixa claro que é Ele quem nos escolhe e, portanto, é dele a iniciativa. Se temos dentro de nós o desejo e uma busca natural por Deus, nosso Criador, o seu amor sempre se antecipa nos fazendo compreender que somos mais do que pessoas a procurar Deus, mas pessoas procuradas por Deus, queridas e amadas (cf. Gn 3,8-24). Deus vai sempre ao encontro do homem e lhe dá a sua graça, esperando apenas a livre aceitação de seu dom; o resultado do encontro é uma superabundância de “graça e verdade” (cf. Jo 1,16) que Deus derrama sobre aqueles que aceitam Jesus Cristo, o Salvador, de forma ativa, livre e responsável (cf. Jo 1,12). Muitos estudiosos das Sagra- das Escrituras assinalam que estas afirmações em Jo 15,16 se referem à decisão de toda a pessoa de fé em relação ao seguimento de Jesus ou à escolha da vocação dos discípulos como apóstolos, mensageiros da “Boa notícia”. Jesus estava descrevendo duas etapas distintas ao dizer “Eu vos escolhi… e vos constituí…”, referindo-se à experiência inicial de “seguir Jesus como Mestre” e ao estabelecimento dos discípulos como mensageiros deste amor manifestado e encarnado em Jesus (cf. Mt 10,1-4; Mc 3,13-19; Lc 6,12-16). A expressão “eu vos escolhi e vos constituí” poderia ser traduzido como “eu te separei”, “eu separei você” para uma missão, como vimos no v.13, em que Jesus, o discípulo do Pai tem a Sua vida doada, “separada”, em favor dos homens de todos os tempos.
Em conexão com a ideia de missão, Jesus quando escolhe e constitui (cf. Nm 8,10; 27,18; Is 49,6; At 13,13.47; 1Tm 1,12; 2Tm 1,11; Hb 1,2), retorna à analogia da videira e ao propósito do agricultor ao dizer a missão dos seus: “ir e produzir frutos”. O verbo “ir” além de sugerir o sentido de missão, aponta para uma missão cheia de frutos, isto é, uma missão pautada na abundância do amor. A obediência ao ir e dar frutos que permaneçam, oferece ao discípulo a garantia para pedir com a confiança ao Pai em nome de Jesus, porquanto Ele ouve e responde o clamor dos seus filhos. A oração aceitável do discípulo nunca terá o caráter de um comando, nem de uma exigência, mas como um apelo de alguém que é humilde, fraco e obediente àquele que é soberano e onipotente. Observe que este versículo mostra a estreita relação entre o disciplinado, a oração eficaz e a produção de frutos.
Meus irmãos, nossa vocação é um lugar de realização plena. Por isso, a partir deste texto vamos refletir o tema da vocação como um projeto de Deus como a realização plena de todo o cristão, lugar onde alcançamos a felicidade verdadeira. A vocação se torna descoberta de um fato que muda, verdadeira e profundamente, a nossa vida: “somos escolhidos e amados por Deus em Cristo Jesus”. No Livro das Confissões, X, 27-38, Santo Agostinho relata com grande intensidade a sua descoberta de Deus, beleza supre- ma e supremo amor, um Deus que sempre estivera com ele e ao qual, finalmente, ele abriu a mente e o coração para ser transformado: “Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Vós estáveis dentro de mim, mas eu estava fora, e fora de mim Vos procurava; com o meu espírito deformado, precipitava-me sobre as coisas formosas que criastes.
Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria, se não existisse em Vós. Chamastes-me, clamastes e rompestes a minha surdez. Brilhastes, resplandecestes e dissipastes a minha cegueira. Exalastes sobre mim o vosso perfume: aspirei-o profundamente, e agora suspiro por Vós. Saboreei-Vos e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e agora desejo ardentemente a vossa paz”.
O Pai que ama profundamente a humanidade, nos convida a aceitar Jesus como o Enviado e Seu revelador. Basta apenas nos dispor a produzir um fruto abundante e duradouro de santidade e verdade, que realiza nossa vida fazendo-nos capazes de compartilhá-lo com toda a humanidade, seguindo a dinâmica missionária intrínseca da Boa Nova (Evangelho) da salvação. Em outras palavras, pode-se dizer que Deus envia Seu Filho, Aquele que oferece sua amizade aos homens (“eleição”) e os envia para anunciar ao mundo inteiro que a salvação foi realizada por meio d’Ele para a glória do Pai. Tudo se origina do Pai e tudo retorna a Ele, exclusivamente por meio do Filho.
Cada ser humano, assim como todo o universo criado é destinatário desse plano de salvação que foi revelado pelo “Verbo feito carne” (cf. Jo 1,14), que se encontra em permanente evidência na concreta escolha do amor mútuo. Assim como Cristo Jesus amou a humanidade a ponto de derramar voluntariamente seu próprio sangue na cruz, a humanidade deve amar uns aos outros pelo “amor de Deus”, produzindo frutos duradouros de bondade e santidade. Isso é possível se duas condições forem atendidas: permanecer firmemente unido a Cristo, como o ramo à videira, e orar ao Pai em nome de Cristo, o Senhor. A eleição traz consigo uma tarefa, uma missão claramente expressa: ir e produzir frutos permanentes. A missão reveladora que Jesus havia recebido de seu Pai, ele agora confia a seus discípulos-amigos. Portanto, para que os frutos dos “amigos” permaneçam, eles precisam estar unidos a Cristo, “permanecer nele” (cf. Jo 15,7-8). Então, não se pode produzir coisas imediatas ou passageiras, mas frutos duradouros, que permaneçam, que se difunda e se propague. Jesus nos convida como Movimento à firmeza e permanência no amor, em meio às ameaças e sofrimentos do mundo.
Lembrem-se que seremos sempre vencedores se entre nós reina o amor. Tenhamos coragem e retomemos o nosso compromisso de “amar, amar e amar. E depois, amar”!
Paz e Misericórdia!
PROPOSTA PARA VIVÊNCIA DA PALAVRA DO MÊS
– Vivência Pessoal: Como tenho lido o meu chamado, minha vocação? Faça memória daquela doce voz que rompeu o teu coração, transformando a tua surdez em ouvidos sensíveis ao seu amor. Medite estas palavras de Santo Agostinho e louve a Deus pelo carisma que nos une.
– Vivência comunitária: Testemunhar o nosso chamado a santidade e o dia da nossa conversão
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