PDM AGOSTO – O MAIS VELHO: UMA FIDELIDADE MAL INTERPRETADA
“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos” (Lc 15,32)
Durante todo esse ano meditamos sobre a misericórdia e o quanto ela é capaz de transformar vidas. Neste mês a meditação chega até o nosso coração através de um personagem que muitas vezes fica escondido e passa despercebido na parábola contada por Jesus. Na maioria das meditações, feitas sobre o trecho de Lc 15, 11-32, nosso olhar se volta para o filho pródigo ou para o Pai misericordioso, mas será que esse “filho mais velho” não tem nada a nos ensinar?
Ele é um personagem um tanto intrigante e, talvez, tenhamos tantas características dele em nós que até evitamos olhá-lo mais de perto. Na bíblia de Jerusalém o filho mais velho é descrito como o “filho fiel, o filho que ficou”. Ele foi aquele que, ao ver o seu irmão pegar a herança e sair de casa, ficou com o pai. No trecho diz que ele estava no campo quando seu irmão voltou, o que nos ajuda a perceber que estava trabalhando. Até aí nos parecem muito boas as características desse filho: fiel ao pai, trabalhador, não se deixou levar pela má decisão do seu irmão, cuida das coisas do pai e, talvez, você esteja se identificando com ele e com essas “qualidades”. Contudo, dentro dessa personalidade que parece perfeita, um sentimento é despontado, a raiva ao saber que seu irmão havia voltado e seu pai preparava uma festa para ele.
“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos” (Lc 15,32)
Quantos de nós, nos achando perfeitos demais por termos ficado, temos dificuldade em receber o filho que voltou? “Há tantos anos que te sirvo… e nunca me deste um cabrito para festejar”(Lc 15,29). Talvez sentimos inveja, raiva, ciúmes por que Deus ama aquele que não merece ser amado e nós, que o servimos há tanto tempo, não ganhamos nem mesmo um cabrito do seu rebanho. Esse parece um sentimento incompatível com o nosso carisma, mas quantas vezes também nós, que pregamos a misericórdia, queremos comprar o amor de Deus, queremos que seja por troca, por merecimento, nos colocamos no lugar do servo e não no lugar do primogênito, do filho. O filho mais velho em toda a bíblia tem um lugar de privilégio, mas aqui nos parece que o primeiro já não sabe mais o valor do seu lugar. Também nós nos vemos com raiva ao presenciar o amor do Pai? Também esquecemos que somos amados como os primeiros?
O irmão mais velho é mais do que só o irmão, ele é filho, o primogênito, o merecedor da herança. Ao se sentir servo, porém, tudo se distorce, cumpre todas as suas responsabilidades perfeitamente, segue as regras, executa suas obrigações; para ele isso é ser fiel, mas trabalha como que para comprar o amor do pai e sente medo de não recebê-lo, acha que só será amado se for merecedor e, por isso, o amor imerecido dado ao irmão o incomodou tanto. Mesmo estando em casa, sente saudade do Pai, a cada dia fica mais distante, sente falta daquele que é o mais importante; não entendeu que herança não se compra e nem é dada para o que mais merece, mas basta ser filho para recebê-la. Estando dentro, o filho mais velho se sente tão fora quanto o seu irmão. Da mesma forma nós, que tantas vezes nos aproximamos das coisas de Deus, mas ficamos longe dele. No fundo, quem foi embora? Será que ele também não queria ir?
Dessa forma, o Pai também dá para ele exatamente aquilo que é o mais importante. O Pai sai da festa, vai ao seu encontro e, ao se voltar para ele, a primeira palavra pronunciada é “Filho” (Lc 15,31), quanto significado em uma única palavra naquele momento! E, ao continuar a falar, o Pai reconhece todo o seu esforço em estar ali: “Tu estás sempre comigo”, o Pai o amava por quem ele era e não pelo que fazia e devolve a ele toda a dignidade de filho mais velho “tudo que é meu é teu“. Também nós que tantas vezes já não somos mais inteiros e nos esquecemos do nosso lugar, podemos agora deixar essa voz do Pai ressoar novamente em nosso íntimo, com todo o significado que ela carrega: “Filho! Filha!… tudo que é meu é teu!”.
“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos” (Lc 15,32)
Após reconhecermos a filiação, fica mais fácil aceitar com amor todas as mudanças que a volta de um irmão pode causar em nossas vidas. Quando seu irmão foi embora, pensando na prática, muitas coisas na rotina e nos pertences, podem ter mudado para o filho mais velho. Provavelmente os cômodos foram reorganizados, talvez ele tenha ficado com um quarto só para ele, pode ser que algum pertence, que era do irmão, ele passou a usar e a metade da herança que ficou estava sendo usada para os gastos da casa.
Quando o filho mais novo volta, tudo precisa ser redistribuído, o quarto, a atenção do pai e da mãe, e até mesmo a metade da herança que ficou e que pertencia ao mais velho, agora seria usada para todos. Será que estamos dispostos a ter prejuízo com a volta de algum irmão? Estamos dispostos a perder para que o outro volte para casa?
O perdão nunca é justo e quando Deus usa de misericórdia para com um, todos são tocados; e eu, que estou ao lado do meu irmão, querendo ou não, sou reestruturado pela volta dele.
Agora é a nossa resposta. Da mesma forma como era preciso passar pela Samaria, é preciso que festejemos e nos alegremos, essa é a lógica do Reino. O filho mais velho, diante da festa, opta por ficar do lado de fora e, diz a palavra, que o Pai saiu para “suplicar-lhe”, mas nós não sabemos como termina essa história, não sabemos a decisão do filho, se ele entrou ou não para participar da festa. Portanto, essa resposta cabe a cada um de nós, filhos mais velhos. Agora o Pai sai para te suplicar: e você, vai entrar e festejar?
“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos” (Lc 15,32)
Proposta para a vivência da Palavra do mês:
∙ Neste mês ofereçamos sacrificios de intercessão (jejuns, missas, terços…) para um irmão ou irmã que está longe da casa do Pai, a nível pessoal ou fraterno.
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