Palavra do mês de novembro

O caminho da conversão: uma volta ao Pai e à Fraternidade dos irmãos

“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!” (Lc 15,32)

Neste mês de novembro somos convidados a refletir sobre o caminho da conversão, baseados na história tão conhecida do filho pródigo e do Pai Misericordioso. Queremos falar de uma volta ao Pai e da Fraternidade dos irmãos. Ao escrever essa carta, fizemos a experiência deste olhar misericordioso sobre nós e nossas vidas, pois esta partilha foi escrita em uma dinâmica fraterna, onde todos contribuíram e sentiram que ela foi nos acompanhando, nos momentos simples vividos juntos, e na troca de impressões da Palavra de Deus. Riqueza profunda, tirar do tesouro desta palavra “coisas novas e velhas”.

O centro do relacionamento entre o Pai e o Filho, e posteriormente entre os irmãos, é o Amor. O próprio Deus, que “é o Amor “(Jo 4,8), é igualmente o Mestre deste relacionamento trinitário, ensinando através do exemplo. Na Igreja primitiva, “amado” referia-se tanto aos evangelizadores, quanto aos que acolhiam o Evangelho, criando uma relação especial como fruto da proclamação. Aqueles que a aceitaram tornaram-se “amados” (cf. At 15,25-26; 1Cor 4,14ss; 1Pe 2,11ss; 2Pe 3,17ss). Nesta perspectiva, acolher o amor do Pai nos leva quase imediatamente ao desejo de expandir essa relação. Reconhecer-se amado por esse Pai que é “nosso” significa amar os irmãos.

“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!” (Lc 15,32)

Assim como os dois filhos da parábola, infelizmente não percebemos de forma clara toda a atenção e cuidado que o Pai nos dedica. Todos estávamos distantes de alguma forma da presença paterna, seja numa vida de pecado, ou mesmo dentro de casa, “na Igreja”, não nos víamos como filhos e portanto não nos sentíamos amados, escolhidos ou cuidados, preferindo ir em busca de coisas longe de Deus. Vivemos a experiência da ausência paterna, e esta fome, este vazio, esta falta, abriu os nossos olhos para esse distanciamento e a recordação da bondade e generosidade desse Pai nos atraiu de volta para Ele. Independente de nossa realidade prévia, onde nos encontrávamos e o que fazíamos no momento deste “cair em si”, Deus nos atraiu com seu amor, e de maneira particular cada filho vive a tão necessária experiência de retorno.

Se a realidade da vida transborda das parábolas de Jesus, todas as da misericórdia são narradas de acordo com uma relação triangular, que podemos convenientemente chamar de “ele, eu e o outro”. Esse esquema nos apresenta um conteúdo que não pode ser menosprezado: a misericórdia de Deus sempre se refere a uma pessoa humana e nunca se dá por si mesma, nem mesmo na relação entre Deus e eu. “Sejam misericordiosos como o pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36), é o centro da Misericórdia nas parábolas. Podemos perceber de uma maneira muito clara três dimensões da misericórdia: piedade, ternura e fidelidade: o Pai nos perdoa, nos ama e sempre é por nós, é fiel em nos escolher e nos acolher como filhos. Essa acolhida perpétua nos torna e nos ensina a sermos irmãos.

“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!” (Lc 15,32)

A família é um lugar extraordinário de descoberta da diferença. Esta descoberta se faz pouco a pouco. Que descobrimos? Que o ser humano é, ao mesmo tempo, de uma maravilhosa beleza e de uma imensa fragilidade! Que temos necessidade uns dos outros, que o outro nos revela nossas próprias feridas, nossos próprios bloqueios… De uma certa maneira existe em nós o anseio de provar que temos razão e que o outro está errado, uma necessidade de ser superior, um medo de ser agredido. Se a família, e podemos bem dizer, se a fraternidade desempenha seu papel revelador, ela pode igualmente ser o lugar da cura através de uma experiência absolutamente simples e bela: o perdão. O perdão consiste em aceitar que o outro é outro, com suas feridas e fragilidades, e que ele tem o direito de viver assim como ele é. É a aceitação de que nós podemos mudar, ser transformados. Quão profundo é este dom fundamental que o Pai Misericordioso nos apresenta. É a base de toda relação humana, e logo não há verdadeiras relações ou verdadeira vida fraterna enquanto não se chegou ao ponto do perdão. O perdão, o diálogo, a escuta, necessitam de tempos de celebração. Um dos grandes problemas enfrentados pela nossa sociedade atual é que ela não sabe mais celebrar, se regozijar juntos. Estamos em um mundo onde se come às pressas, os celulares estão ligados 24 horas mas o coração está desconectado de Deus e dos irmãos, onde se menospreza a comunicação e a celebração familiares.

“Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!” (Lc 15,32)

Como reencontrar este senso de celebração e ter tempo para estar juntos? Como se rejubilar porque Deus nos uniu, como celebrar através de refeições, de música, de mímica, de rimas para a sobremesa, de dança, de histórias? Como celebrar nossa unidade? São questões importantes para nosso mundo que passou da celebração do dia a dia para o espetáculo momentâneo das redes sociais. Se alegrar e festejar com o bem do outro é viver profunda fraternidade. Na nossa casa aqui da Bélgica somos todos diferentes – brasileiros, poloneses, italianos; os filhos da Misericórdia chegaram de todas as partes do mundo, como o Nepal, Peru, Marrocos, Israel; e com experiências de Deus completamente diferentes, sendo de denominação muçulmana, hinduísta, protestante, e mesmo ateus. Todos vivem, à sua maneira, a experiência profunda de retorno aos braços do Pai. E é preciso fazer festa, pois a vida de cada um e seus triunfos cotidianos se tornam motivo de júbilo – o irmão que consegue o emprego, o irmão que se apresenta para o Papa, a realização da vocação do irmão no namoro, no casamento, no nascimento dos filhos, na entrega definitiva, na ordenação. A alegria pessoal se torna uma alegria comunitária, como ao sentir o assombro daquele que vê a neve pela primeira vez, mesmo que eu já esteja há muito acostumado. E esta é uma realidade concreta: a experiência fraterna bem vivida transborda para aqueles que estão à volta, gerando um sentimento único de família, que ultrapassa a própria fraternidade.

Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal VITA CONSECRATA o Santo Padre João Paulo II diz: “Na vida comunitária, a energia do Espírito que existe numa pessoa, passa contemporaneamente a todos. Nela, não só se usufrui do dom próprio, mas este é multiplicado quando se participa aos outros, e goza-se tanto do fruto do dom alheio como do próprio” (Vita Consecrata 42). A Aliança de Misericórdia nasceu «não da vontade da carne e do sangue», não de simpatias pessoais ou de motivos humanos, mas «de Deus» (Jo 1, 13), de uma vocação divina e de uma divina atração, os nossos grupos e fraternidades nasceram para ser um sinal vivo da primazia do Amor de Deus que opera suas maravilhas, transforma pecadores em santos, e do amor a Deus e aos irmãos, como foi manifestado e praticado pelo Pai desta parábola.

Sim irmãos, somos convidados a viver neste lugar do perdão e da festa. Que cada ambiente de encontro em nossa comunidade seja lugar de aceitação do outro e caminho de crescimento humano, pois assim experimentaremos concretamente a alegria sem fim de ver a mudança, diante dos nossos olhos, do perdido em encontrado, do morto em retorno à vida plena, recuperado pela misericórdia junto do Pai.

Gestos concretos:

– Organizar, com criatividade e alegria, um momento de celebração fraterna, onde se terá a oportunidade de partilhar as alegrias, celebrar as realizações dos irmãos e viver esse movimento de agradecimento pelo bem do outro.

– Meditar “No oceano da Infinita Misericórdia” e partilhar como podemos realizar esse trecho na prática em nossos grupos e fraternidades:

 

“Não haverá mais guerra,

as armas serão transformadas

em ferramentas de fraternidade,

a divisão em comunhão e reciprocidade,

o diferente, plenamente valorizado

mesmo nas minorias humanas,

o ódio em Misericórdia,

porque o perdão

tomara o lugar da vingança.

 

Aprendermos a nos alegrar uns com os outros,

uns dos outros (cf. Rm 12,16)

atentos para enxergar na pobreza

de cada irmão uma riqueza para todos.

 

O homem, reconciliado com o homem,

com Deus,

com a natureza

e com o universo

vivera desde agora,

nesta terra,

a experiência do céu.

cada um descobrira o próprio céu,

no céu do seu irmão,

do outro, do diferente,

um céu que nos envia

e orienta ao eterno céu do Pai,

ao qual voltamos,

alegres peregrinos,

ao eterno abraço,

do Amor Misericordioso.”

 

 

 

 

 

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