O SACRIFÍCIO DO AMOR
“Então constituiu doze para que ficassem com ele e para enviá-los…” (Mc 3,14)
Uma vez mergulhados em nossa palavra de Constitutiva: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou para anunciar a Boa Nova aos pobres…” (Lc 4,18-19), não podemos deixar de evidenciar dois aspectos para compreender a dimensão do sacrifício do Amor:
Destacamos como primeiro, a consagração/eleição que o Senhor faz a cada um de nós: “Ele me consagrou, me separou, me escolheu para ficar com Ele (cf. Mc 3, 13).
A pessoa quando é consagrada/eleita, tomada por tal unção, se torna, em sua vida, inseparável de Cristo. O desejo d’Ele em ficar a sós com seu eleito é tão intenso – Ele o “chama a si…” (Mc 3, 13), que é tocável o sentir-se querido por Ele!
E se realmente ficamos com Ele, é impossível não ver, enxergar a sua infinita misericórdia e, por consequência, a nossa pobreza, não a nossa fraqueza por complacência de nós mesmos, mas a nossa pobreza diante de tamanha grandeza. “Vinde e Vede” (cf. Jo 1,39), eles foram e viram, e puderam testemunhar porque experimentaram, e justamente por isso, uma vez testemunhada a sua misericórdia, somos convidados a aprender o que significa misericórdia (cf. Mt 9,13), ter, ser e exercer a misericórdia. Reconhecendo desmedida ação divina, se torna impossível paralisar e não proclamar, não permitir que outros sintam este mesmo Amor, que se dá por meio de sacrifícios!
“Então constituiu doze para que ficassem com ele e para enviá-los…” (Mc 3,14)
Logo, o segundo aspecto, chama a atenção para a “imitação” do modo de agir de Jesus Misericordioso, que “deu a vida para salvar suas ovelhas” (cf. Jo 10,11; 13,1). Após ficar com Ele, somos chamados a seguir os seus passos, nos identificarmos com Ele, sentir-nos impulsionados a exercer a Sua Misericórdia, isto porque depois de ficar com eles, Jesus os envia para uma missão! (Mc 3,14) A missão de ir e amar o próximo – “aonde ele próprio devia ir” (Lc 10,1), em seu lugar, como Ele!
É uma estrada de mão dupla: quanto mais experimentamos e tomamos consciência da Misericórdia que o Senhor exerceu para conosco, tanto mais seremos expressão e anúncio dessa Misericórdia. Contudo, essa experiência é sempre um deixar-se conduzir e alcançar por Deus! Um constante exercício, que não se dá sem sacrifício, uma vez que, para nos assemelharmos ao Mestre temos que seguir os seus passos para nos identificarmos com Ele – “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo.” (Fl 2, 5) e para tanto, precisamos nos perguntar: Qual foi o caminho que o Mestre Jesus Cristo trilhou senão, amar, amar e sempre mais amar? Levou ao cume, à sublimidade do amor pelo sacrifício da cruz! E com isso nos ensinou que é inseparável a prática do amor, do exercício do sacrifício, por esse mesmo amor. Mas essa prática só é possível a partir da experiência do estar com Ele, ficar com Ele, permanecer com Ele, para agir como Ele!!!
“Então constituiu doze para que ficassem com ele e para enviá-los…” (Mc 3,14)
Como dizia Santa Teresa D’Avila: “É justo que muito custe o que muito vale”. Com este pensamento, ela nos ajuda a tomar posse da primeira verdade acima referida: Ele nos escolheu porque somos seus, somos seu povo, sua herança! (Sl 100,3). Valemos, não porque somos bons, mas porque Ele nos fez bons, porque Ele nos conferiu pelo sacrifício da cruz a restituição da vida original conforme à sua imagem. E por isso vale/custa o sacrifício do amor! Sacrifício de amor de um Deus que se entregou até as últimas consequências para nos libertar das nossas prisões e recuperarmos a visão do que é essencial: restaurar e restituir-nos a dignidade e a liberdade de filhos de Deus, que Ele nos alcançou.
Alcançados por Ele somos enviados a proclamar, anunciar a “boa nova…” (cf. Is 61,1), “… um ano de graça do Senhor” (cf. Lc 4,19), e dar continuidade à missão que Ele iniciou e nos confiou; e assim também nós sermos e exercermos Misericórdia no mundo.
O amor, somente o amor que se imola é capaz de curar, de libertar, de chamar à vida, e por isso custa! “É justo que muito custe o que muito vale!”
De maneira particular em nossa missão com os mais pobres materialmente, o quanto é exigente e real essa dimensão do sacrifício por amor, por vezes aqueles que mais nos custam e exigem: A paciência, o tempo, amor, a doação, atenção sem condição ou retribuição alguma, nos fazem questionar também a autenticidade do nosso amor e o quanto estamos perto do Mestre, pois estando perto dele, não seremos ou teremos outra face a não ser a da misericórdia, pois aprendemos d’Eele, experimentamos com Ele e assim sendo, não podemos ser ou anunciar outra coisa diferente. Cabe-nos, então, uma reflexão: se não estamos dispostos a nos sacrificar por amor, estamos perto do Mestre? Somente o ficar com ele torna possível e nos torna capazes de nos sacrificar por amor, nos doar por amor: o caminho é o estar com Ele!
“Então constituiu doze para que ficassem com ele e para enviá-los…” (Mc 3,14)
Dentre os muitos acolhidos que já passaram em nossas casas, alguns são ou foram reincidentes (acolhidos diversas vezes), inúmeras destes, recomeçando o mesmo caminho. De maneira particular, me vem à mente e ao coração um que já acolhemos muitas vezes, inúmeras tentativas de o ajudar, muitas vindas e idas, e humanamente fica sempre a pergunta: fiz tudo o que poderia para ajudá-lo? Talvez não!
Apesar de ter tentado todas as vezes que pediu, de ter estendido as mãos sempre que precisou, gastado tempo quando solicitado… talvez não! Entretanto, o que posso, e podemos dizer, diante de todas as limitações como consagrados e testemunhas da sua Misericórdia? ‘Estaremos sempre com nosso coração aberto e disposto para acolhê-los novamente!’ E ele sabe disso, tanto é que sempre diz que a Aliança de Misericórdia é sua casa, que quando está em apuros sabe onde recorrer e, então, apesar da fragilidade e da insuficiência do nosso amor, que ainda não conseguiu resgatá-lo completamente, isso nos dá a certeza de que Ele nos consagrou para evangelizar os pobres (cf. Lc 4,18), não porque vamos alcançar a todos, mas porque as portas do nosso coração estarão abertas àqueles que precisarem, dispostos e disponíveis a nos sacrificarmos verdadeiramente por amor, para que tantos sejam alcançados, libertos e salvos pela Misericórdia de Deus que não se cansa de se imolar/sacrificar para que tenhamos vida e vida em plenitude! (cf. Jo 10,10).
Fabiana Ferreira da Silva Bispo
Missionária da Aliança de Misericórdia
Reflexão para a vivência da Palavra:
- Quanto tenho estado perto do Mestre?
- Meu coração está aberto para acolher àqueles que o Senhor me tem confiado?
- Os que mais me custa e exige?
- Estou disposto a me sacrificar por amor aos irmãos? Sacrificar o meu tempo, meus projetos para que outros tenham e encontrem vida?
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