Mãe de UTI: um caminho de luta e superação
“Pedi e vos será dado; procurai e encontrareis; batei e a porta vos será aberta. Pois todo aquele que pede recebe; quem procura encontra; e a quem bate, a porta será aberta.” (Lucas 11,5-13)
Um presente entre lágrimas
No ano de 2018, eu e meu esposo recebemos um grande presente de Deus: o nosso filho primogênito. Ele chegou antes da hora, sem dar tempo para fazer chá de bebê, arrumação do quartinho ou mesmo comprar o berço.
Nasceu com 28 semanas gestacionais, de parto natural, mas eu não o acolhi em meus braços, não o amamentei, não o acalmei.
Eu só desejava que ele saísse dali com a equipe médica para poder ser salvo. Um turbilhão de sentimentos tomou conta do meu coração: alívio e medo, felicidade e tristeza, frustação e esperança, fé e desespero, e a certeza de que a nossa jornada ali no hospital estava só começando.
A luta pela vida
Por exatos 100 dias ele ficou na UTI Neonatal. Neste tempo ele vivia dentro de uma caixa acrílica chamada de incubadora, e o seu corpinho tão frágil com pouco mais de 1 Kg, estava ligado a dezenas de fios, sondas, cateteres, respirador. As agulhas e alarmes faziam parte da sua nova rotina.
Um dia ele estava bem, e de repente seu quadro clínico regredia. Felizmente tive autorização de ter uma cama ao lado da incubadora, e ali podia ficar em tempo integral. Por mais de 3 meses, aquele quartinho de 8m² foi nossa casa.
Ser mãe de UTI foi viver de altos e baixos; foi me assustar a cada apito do monitor que indicava uma parada respiratória e ver os enfermeiros entrando no quarto para massagear meu bebê para que ele voltasse a respirar.
Teve um período, que eram tantas vezes por dia, que eu mesma aprendi a fazer o procedimento, e quando os enfermeiros chegavam ele já estava com a saturação e batimentos cardíacos restabelecidos.
Foi tempo de me sentir tão impotente, chorar por ver ele tentar e não conseguir pegar o peito para mamar, porque não tinha forças. Foi tempo de aprender a fazer festa com as pequenas coisas, como 10 gramas de peso adquiridos em um dia.
O dom da fortaleza
Algumas pessoas me perguntam como eu e meu esposo conseguimos suportar tudo isso. Creio que poder tê-lo na técnica canguru (técnica de cuidados neonatais onde os bebês são mantidos pele-a-pele com os pais) por quase 10hrs diárias nos fortalecia (a ele e a nós), além é claro, da comunhão eucarística diária que me era trazida pelo capelão do hospital, e da grande rede de intercessão que se formou pela vida do Felipe.
O amor e o suporte de tantas pessoas nos chegavam, de tão longe, através da oração.
Também nos perguntam qual foi o momento mais difícil. Mesmo com o tempo, há dois momentos que não se apagam da minha memória.
O primeiro foi um dia após seu nascimento, a coordenadora médica se aproximou de nós para dizer que ele precisava ser entubado, foi quando nos demos conta da gravidade do seu quadro clínico, e que decidimos chamar um sacerdote para batizá-lo.
A força do sacramento e o valor da vida
Após o batismo ele começou a evoluir e por graça de Deus foi desentubado. O segundo momento mais difícil foi quando ele tinha algumas semanas de vida e uma ecografia realizada no cérebro acusou uma hemorragia que estava avançando de níveis.
Nesse momento a equipe médica nos chamou para uma reunião em que falaram do risco de vida e possíveis sequelas físicas e psicológicas que nosso filho poderia desenvolver. Creio que esse foi o momento de maior angústia para nós.
Naquela mesma semana recebi a visita de uma amiga belga e, tentando me consolar, ela disse: “Fátima, seria melhor ele morrer do que ser uma criança cheia de sequelas físicas e mentais”. Aquelas palavras me entristeceram profundamente, mas dentro do meu coração eu continuava lutando, rezando, implorando a Deus pela vida do meu filho.
Algum tempo depois eu entendi que essa forma de pensar é de uma grande maioria de pessoas em alguns países da Europa, onde o aborto é permitido em todas as circunstâncias. Podemos chamar de ‘cultura de morte’, ou também ‘eugenia, seleção de pessoas’. Uma triste realidade que aos poucos vem sendo semeada no nosso querido Brasil.
O amor pelo Felipe e a fé em Deus aos poucos substituíam o medo e a insegurança. Simplesmente amamos independente do quadro clínico dele, das possíveis sequelas e da exaustão física e emocional. Dissemos ‘SIM’ à vida.
Nosso milagre
Hoje, nosso querido príncipe acaba de completar seus 2 anos, e para surpresa da equipe médica, ele é um menino perfeito, saudável, e ultrapassa as expectativas motoras e físicas de uma criança na sua idade. Ele é o nosso milagre.
Diante dos sofrimentos da vida, não podemos desistir. O sofrimento não pode ser em vão, pois ele tem o poder de nos purificar e de nos transformar em pessoas mais humanas, confiantes, solidárias, afetivas e a darmos valor às pequenas coisas. Como dizia Santa Teresinha do Menino Jesus:
“A vida é apenas um sonho, em breve acordaremos e que alegria! Quanto mais nossos sofrimentos são grandes, tanto mais nossa glória será infinita.”
Digamos ‘SIM’ à vida!
Fátima, missionária de vida, casada com Cristiano e mamãe do Felipe em missão em Bruxelas/Bélgica.
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