Carnaval: Um bom tempo para reordenar a vida para Deus

Estamos acostumados a ver o Carnaval como um tempo de diversão, alegria e infelizmente muitas vezes de decadência dos valores Cristãos. Muitas vezes os católicos saem para retiros de carnaval para “fugir da bagunça”.

Mas, e se você não puder ir para um retiro de Carnaval neste ano? Como viver bem esses dias? É possível fazer um retiro sozinho? É possível aproveitar esses dias e ir na contramão do mundo e se aproximar de Deus?

Se o carnaval é a festa da carne, esse texto propõe que façamos destes quatro dias a festa do espírito, um reordenamento da nossa vida para Deus e, de forma simples, podemos nos retirar e nos preparar para a quaresma que vamos viver a partir da quarta feira.

Separamos algumas dicas simples e um pequeno cronograma que pode te ajudar a viver um retiro pessoal e único, finalizando com a Quarta-Feira de Cinzas, dia de jejum e oração. Acompanhe agora!

 

Como viver o Carnaval

Antes de qualquer coisa, você precisa se retirar. Se for possível, vá para uma casa de retiros, ou algum lugar calmo, perto da natureza ou de uma igreja, afinal, não é possível fazer o retiro com o barulho dos bloquinhos de carnaval ao fundo.

O segundo passo é a escolha do tema para te guiar nesta jornada. Aqui separamos as meditações de Santo Afonso Maria de Ligório para o tempo do Carnaval e da Quarta-Feira de Cinzas.

O terceiro e mais importante passo é buscar se encontrar com a pessoa de Cristo, o tempo é muito propício, estamos no segundo mês no ano e, de tudo o que decidimos fazer por amor a Deus, nossos projetos, o que estamos cumprindo, no que estamos falhando?

Esse é o momento de reordenar nossa vida para Deus. Nestes dias procure rezar com a palavra de Deus, o Santo Terço, se possível participe da missa todos os dias, e reze em frente à Eucaristia, contemple o Deus que se dá e te espera no sacrário.

Dessa forma você certamente viverá um Santo Carnaval.

 

Proposta de Cronograma do retiro pessoal

 

1º DIA

Começar ou finalizar o dia com a Santa Missa!

Momento de meditação da Palavra Diária

Deserto (momento de escuta sobre a Palavra do Senhor)

Almoço

Primeira Meditação de Santo Afonso

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Terço da Misericórdia

Louvor e oração sobre a Meditação

Propósitos e revisão

Terço Mariano

 

 

2º DIA

Começar ou finalizar o dia com a Santa Missa!

Segunda Meditação de Santo Afonso

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Almoço

Terceira Meditação de Santo Afonso

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Terço da Misericórdia

Louvor e oração sobre a Meditação

Propósitos e revisão

Terço Mariano

 

 

3º DIA

Começar ou finalizar o dia com a Santa Missa!

Quarta Meditação de Santo Afonso

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Almoço

Quinta Meditação de Santo Afonso

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Terço da Misericórdia

Louvor e oração sobre a Meditação

Propósitos e revisão

Terço Mariano

 

 

4º DIA

Começar ou finalizar o dia com a Santa Missa!

Momento de meditação da Palavra Diária

Deserto (momento de escuta sobre a Palavra do Senhor)

Almoço

Sexta Meditação de Santo Afonso

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Terço da Misericórdia

Louvor e oração sobre a Meditação

Propósitos e revisão

Terço Mariano.

 

QUARTA FEIRA DE CINZAS

Dia de Jejum e oração. Participar da Missa de Cinzas

Meditação Santo Afonso sobre a Quarta Feira de Cinzas

Deserto (momento de reflexão sobre o tema)

Terço da Misericórdia

Louvor e oração sobre o a Meditação

Propósitos e revisão

Terço Mariano

 

Veja também: Vícios e Virtudes no carnaval

Meditações de Santo Afonso para o Carnaval:

 

Primeira Meditação:

Sumário. Para desagravar o Senhor ao menos um pouco dos ultrajes que lhe são feitos, os Santos aplicavam-se nestes dias do carnaval, de modo especial, ao recolhimento, à oração, à penitência, e multiplicavam os atos de amor, de adoração e de louvor para com seu Bem-Amado. Procuremos imitar estes exemplos, e se mais não pudermos fazer, visitemos muitas vezes o Santíssimo Sacramento e fiquemos certos de que Jesus Cristo no-lo remunerará com as graças mais assinaladas.

 

  1. Por este amigo, a quem o Espírito Santo nos exorta a sermos fiéis no tempo da sua pobreza, podemos entender que é Jesus Cristo, que especialmente nestes dias de carnaval é deixado sozinho pelos homens ingratos e como que reduzido à extrema penúria. Se um só pecado, como dizem as Escrituras, já desonra a Deus, o injuria e o despreza, imagina quanto o divino Redentor deve ficar aflito neste tempo em que são cometidos milhares de pecados de toda a espécie, por toda a condição de pessoas, e quiçá por pessoas que lhe estão consagradas. Jesus Cristo não é mais suscetível de dor; mas, se ainda pudesse sofrer, havia de morrer nestes dias desgraçados e havia de morrer tantas vezes quantas são as ofensas que lhe são feitas.

É por isso que os santos, a fim de desagravarem o Senhor de tantos ultrajes, aplicavam-se no tempo de carnaval, de modo especial, ao recolhimento, à penitência, à oração, e multiplicavam os atos de amor, de adoração e de louvor para com o seu Bem-Amado. No tempo do carnaval, Santa Maria Madalena de Pazzi passava as noites inteiras diante do Santíssimo Sacramento, oferecendo a Deus o sangue de Jesus Cristo pelos pobres pecadores. O Bem-aventurado Henrique Suso guardava um jejum rigoroso a fim de expiar as intemperanças cometidas. São Carlos Borromeu castigava o seu corpo com disciplinas e penitências extraordinárias. São Filipe Néri convocava o povo para visitar com ele os santuários e realizar exercícios de devoção. O mesmo praticava São Francisco de Sales, que, não contente com a vida mais recolhida que então levava, pregava ainda na igreja diante de um auditório numerosíssimo. Tendo conhecimento que algumas pessoas por ele dirigidas, que se relaxavam um pouco nos dias de carnaval, repreendia-as com brandura e exortava-as à comunhão frequente.

Numa palavra, todos os santos, porque amaram a Jesus Cristo, esforçaram-se por santificar o mais possível o tempo de carnaval. Meu irmão, se amas também este Redentor amabilíssimo, imita os santos. Se não podes fazer mais, procura ao menos ficar, mais do que em outros tempos, na presença de Jesus Sacramentado ou bem recolhido em tua casa, aos pés de Jesus crucificado, para chorar as muitas ofensas que lhe são feitas.

 

  1. Ut et in bonis illius laeteris – “para que te alegres com ele nas suas riquezas”. O meio para adquirires um tesouro imenso de méritos e obteres do céu as graças mais assinaladas, é seres fiel a Jesus Cristo em sua pobreza e fazer-lhe companhia neste tempo em que é mais abandonado pelo mundo: Fidem posside cum amico in paupertate illius, ut et in bonis illius laeteris. Ó, como Jesus agradece e retribui as orações e os obséquios que nestes dias de carnaval lhe são oferecidos pelas suas almas prediletas!

 

Conta-se na vida de Santa Gertrudes, que certa vez ela viu num êxtase o divino Redentor que ordenava ao Apóstolo São João escrevesse com letras de ouro os atos de virtude feitos por ela no carnaval, a fim de recompensá-la com graças especialíssimas. Foi exatamente neste mesmo tempo, enquanto Santa Catarina de Sena estava orando e chorando os pecados que se cometiam na quinta-feira gorda, que o Senhor a declarou sua esposa, em recompensa (como disse) dos obséquios praticados pela Santa no tempo de tantas ofensas.

Amabilíssimo Jesus, não é tanto para receber os vossos favores como para fazer coisa agradável ao vosso divino Coração, que quero nestes dias unir-me às almas que Vos amam, para Vos desagravar da ingratidão dos homens para convosco, ingratidão essa que foi também a minha, cada vez que pequei. Em compensação de cada ofensa que recebeis, quero oferecer-Vos todos os atos de virtude, todas as boas obras, que fizeram ou ainda farão todos os justos, que fez Maria Santíssima, que fizestes Vós mesmo, quanto estáveis na terra. Entendo renovar esta minha intenção todas as vezes que nestes dias disser: † Meu Jesus, misericórdia (1).

– Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, apresentai vós este humilde ato de desagravo a vosso divino Filho, e por amor de seu sacratíssimo Coração obtende para a Igreja sacerdotes zelosos, que convertam grande número de pecadores.

 

Segunda Meditação:

Sumário. Nunca se deu, nem se dará jamais, no mundo outro fato semelhante ao que está consignado nos Evangelhos. Estando o homem por sua própria culpa condenado à morte eterna, o Filho de Deus pediu e obteve de seu divino Pai, que o deixasse tomar a natureza humana e pagar com a própria morte as penas devidas ao homem. Que te parece, irmão meu, este amor do Filho e do Pai? Todavia, a maior parte dos homens, talvez tu também, não responderam a tamanho amor senão com ingratidão.

 

  1. A história refere um fato de um amor tão prodigioso que será a admiração de todos os séculos. Um rei, senhor de muitos reinos, tinha um filho único, tão belo, tão santo, tão amável que era as delícias do pai, que o amava tanto como a si mesmo. Ora, este jovem príncipe tinha tão grande afeição a um de seus escravos, que tendo aquele escravo cometido um crime, pelo qual foi condenado à morte, o príncipe se ofereceu a morrer em seu lugar. E o pai, zeloso dos direitos da justiça, consentiu em condenar à morte seu filho bem-amado, afim de que o escravo escapasse do suplício que havia merecido. A sentença foi executada: o filho morreu no patíbulo, e o escravo ficou salvo.

 

Este fato, que não teve e nunca terá outro semelhante no mundo, está consignado nos Evangelhos. Ali se lê que o Filho de Deus, o Senhor do universo, vendo o homem condenado, pelo seu pecado, à morte eterna, quis tomar a natureza humana, e pagar com a sua morte os castigos devidos ao homem: Oblatus est, quia ipse voluit (1) ― “Ele foi oferecido, porque o quis”. E o Pai Eterno deixou-o morrer sobre a cruz para nos salvar a nós, miseráveis pecadores: Proprio Filio non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum (2) ― “Não perdoou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos”. Que te parece, alma devota, este amor do Filho e do Pai?

Desta sorte, meu amável Redentor, morrendo quisestes sacrificar-Vos para me alcançar o perdão! E que Vos darei eu em reconhecimento? Vós me haveis obrigado demais a amar-Vos, e eu seria demais ingrato, se Vos não amasse de todo o meu coração. Vós me haveis dado a vossa vida divina, e eu, miserável pecador como sou, Vos dou a minha. Sim, ao menos tudo o que me resta de vida, quero empregá-lo unicamente em amar-Vos, obedecer-Vos e agradar-Vos.

 

  1. O que abrasava mais São Paulo de amor para com Jesus era a lembrança de que ele quisera morrer, não só por todos os homens em geral, mas ainda por ele em particular. Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me (3). ― Ele me amou, dizia, e se entregou por mim. Cada um de nós pode dizer outro tanto; porque São João Crisóstomo assegura que Deus ama tanto cada um de nós, como ama o mundo inteiro. Assim, cada cristão não está menos obrigado a Jesus Cristo, por ter padecido por todos, do que se houvera padecido só para ele.

 

Meu irmão, se Jesus Cristo tivesse morrido somente para te salvar, deixando os outros na sua perda original, que obrigação Lhe não devias tu? Deves, porém, saber que Lhe és ainda mais obrigado por ter morrido por todos. Se ele só por ti houvesse morrido, que dor não seria a tua, pensando que teus próximos, teu pai e mãe, teus irmãos e amigos, pereceriam eternamente e que depois desta vida seríeis separados para sempre? Se fosses feito escravo com toda a tua família e alguém viesse a resgatar-te a ti somente, quanto lhe não pedirias que resgatasse também teus pais e irmãos! E quanto lhe não agradecerias, se ele o fizesse para te agradar! Dize, pois, a Jesus:

Ah! Meu doce Redentor, Vós fizestes isso por mim, sem eu Vo-Lo ter pedido. Não somente me resgatastes da morte a preço de vosso sangue, também aos meus parentes e amigos, de sorte que me é permitido esperar que, reunidos todos, juntos gozaremos de Vós para sempre no paraíso. Senhor, eu Vos agradeço e Vos amo e espero agradecer-Vos e amar-Vos eternamente nessa bem-aventurada pátria.

 

― Ó Maria, ó minha Mãe das dores, obtende-me a santa perseverança. Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo.

 

Terceira Meditação

Sumário. Por causa do imenso amor com que Jesus Cristo ama sua querida Mãe, são-Lhe muito agradáveis os que com devoção meditam nas dores de Maria Santíssima e inúmeras são as graças que lhes comunica. Mas infelizmente, quão poucos são os que praticam tão bela devoção! Muitos cristãos, em vez de se compadecerem das dores de Maria, lh’as renovam com seus pecados ou sua tibieza. Irmão meu, serás tu também um destes ingratos?

 

  1. Para compreender quanto agrada à Bem-Aventurada Virgem que nos lembremos de suas dores, bastaria somente saber que ela, no ano de 1239, apareceu a sete devotos seus (que depois foram os fundadores da Ordem dos Servos de Maria), com um hábito negro na mão e ordenou-lhes que, desejando fazer-lhe causa agradável, meditassem com frequência em suas dores. Por isso queria que em memória delas trouxessem daí em diante aquele hábito lúgubre. Jesus Cristo mesmo revelou à Bem-aventurada Verônica de Binasco, que quase Lhe agrada mais ver compadecida sua Mãe que Ele mesmo, pois que lhe disse assim: Filha, são-me caras as lágrimas derramadas pela minha Paixão; mas como eu amo com amor imenso a minha Mãe, me é mais cara a meditação das dores que ela padeceu na minha morte.

 

Por isso são muito grandes as graças que Jesus prometeu aos devotos das dores de Maria. Refere o Padre Pelbarto ter sido revelado a Santa Isabel, que São João Evangelista, depois que a Santíssima Virgem foi assunta ao céu, desejava vê-la mais uma vez. Foi-lhe concedida a graça e apareceu-lhe sua cara Mãe e juntamente com ela também Jesus Cristo. Ouviu depois, que Maria pediu ao Filho alguma graça especial para os devotos das suas dores e que Jesus lhe prometeu para eles quatro graças especiais: 1º. Que o que invocar a divina Mãe pelos merecimentos de suas dores merecerá fazer, antes da morte, verdadeira penitência de todos os seus pecados. 2º. Que ele defenderá aqueles devotos nas tribulações em que se acharem, especialmente na hora da morte, 3º. Que imprimirá neles a memória de sua Paixão e que no céu lhes dará depois o competente prêmio. 4º. Que entregará os tais devotos nas mãos de Maria, afim de que deles disponha à sua vontade e lhes obtenha todas as graças que quiser. Em comprovação de tudo isto encontram-se nos livros inúmeros exemplos.

 

  1. Se é tão agradável a Maria Santíssima que nos lembremos das suas dores e se são tão grandes as graças que Jesus Cristo prometeu a quem pratica esta devoção, claro está que, juntamente com a devoção à Paixão do Redentor, devia ser a de todos os cristãos. Mas infelizmente, quantos não há que, especialmente nestes dias de carnaval, em vez de honrarem a Virgem dolorosa, ainda lhe aumentam as penas e pela sua tibieza e pelos seus pecados lhe traspassam o coração com novas espadas?

 

É isso que, como conta o Padre Roviglione, a divina Mãe quis ensinar a um jovem seu devoto. Tendo este caído em pecado mortal e ido na manhã seguinte visitar uma imagem da Virgem que tinha sete espadas no peito, viu não sete, mas oito espadas. Ouviu então uma voz que lhe disse que aquele seu pecado tinha acrescentado a oitava espada no coração de Maria.

Ah, minha bendita Mãe! Não só uma espada, mas tantas espadas quantos têm sido os meus pecados acrescentei ao vosso coração. Ah Senhora! Não a vós, que sois inocente, mas a mim, réu de tantos delitos, se devem as penas. Mas já que vós quisestes padecer tanto por mim, ah! pelos vossos merecimentos impetrai-me uma grande dor dos meus pecados e paciência para sofrer os trabalhos desta vida, que serão sempre leves em comparação com os meus deméritos, pois que tantas vezes tenho merecido o inferno. Impetrai-me também, ó minha Mãe, uma devoção constante e terna à Paixão de Jesus Cristo e às vossas dores, afim de que, depois de Vos ter acompanhado na terra em vossas penas, mereça participar da vossa glória no céu.

 

Quarta Meditação

 

Sumário. Não é sem uma razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. A nossa boa Mãe deseja que nós, seus filhos, nos unamos a ela, para compadecermos do seu divino Esposo, e o consolarmos com os nossos obséquios, ao passo que os pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam todos os ultrajes descritos no Evangelho. Quer ela também que roguemos pela conversão de tantos infelizes, nossos irmãos. Não temos por ventura bastantes motivos para isso?

 

  1. Não é sem razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. Deseja a nossa boa Mãe que nós, seus filhos, nos unamos a ela na compaixão de seu divino Esposo, e o consolemos com os nossos obséquios; porquanto os pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam os ultrajes descritos no Evangelho.

 

Tradetur gentibus — “Ele vai ser entregue aos gentios”. Nestes tristes dias os cristãos, e quiçá entre eles alguns dos mais favorecidos, trairão, como Judas, o seu divino Mestre e o entregarão nas mãos do demônio. Eles o trairão, já não às ocultas, senão nas praças e vias públicas, fazendo ostentação de sua traição! Eles o trairão, não por trinta dinheiros, mas por coisas mais vis ainda: pela satisfação de uma paixão, por um torpe prazer, por um divertimento momentâneo!

Illudetur, flagellabitur et conspuetur — “Ele será mortejado, flagelado e coberto de escarros”. Uma das baixezas mais infames que Jesus Cristo sofreu em sua Paixão, foi que os soldados lhe vendaram os olhos e, como se ele nada visse, o cobriram de escarros, e lhe deram bofetadas, dizendo: Profetiza agora, Cristo, quem te bateu? Ah, meu Senhor! Quantas vezes esses mesmos ignominiosos tormentos não Vos são de novo infligidos nestes dias de extravagância diabólica? Pessoas que se cobrem o rosto com uma máscara, como se Deus assim não pudesse reconhecê-las, não têm pejo de vomitar em qualquer parte palavras obscenas, cantigas licenciosas, até blasfêmias execráveis contra Santo Nome de Deus! — Et postquam flagellaverint, occident eum — “Depois de o terem açoitado, o farão morrer”. Sim, pois se, segundo a palavra do Apóstolo, cada pecado é uma renovação da crucifixão do Filho de Deus, ah! Nestes dias Jesus será crucificado centenas e milhares de vezes.

É exatamente isto que Jesus Cristo quis dizer a Santa Gertrudes aparecendo-lhe num domingo de Quinquagésima, todo coberto de sangue, com as carnes rasgadas, na atitude do Ecce Homo, e com dois algozes ao lado, os quais lhe apertavam a coroa de espinhos e o batiam sem piedade. Ah! Meu pobre Senhor!

 

  1. Refere o Evangelho em seguida, que, aproximando-se Jesus de Jericó, um cego estava sentado à beira da estrada e pedia esmolas. Ouvindo passar a multidão, perguntou o que era. Sabendo que passava Jesus de Nazaré, apesar de a gente o ralhar, a fim de que se calasse, não cessava de gritar: Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim (1). Por isso mereceu que, em recompensa de sua fé, o Senhor lhe restituísse a vista: Fides tua te salvum fecit — “A tua fé te valeu”.

 

Se quisermos agradar ao Senhor, eis aí o que também nós devemos fazer. Imitemos a fé daquele pobre cego, e neste tempo de desenfreada licença, enquanto os outros só pensam em se divertir com prazeres mundanos, procuremos estar, mais que de ordinário, diante do Santíssimo Sacramento. Não nos importemos com os escárnios do mundo, lembrando-nos do que diz São Pedro Crisólogo. Qui iocari voluerit cum diabolo, non poterit gaudere cum Christo — “Quem quiser brincar com o demônio, não poderá gozar com Cristo”. Quando nos acharmos em presença de Jesus no tabernáculo, peçamos-lhe luz para detestarmos as ofensas que o magoam tão profundamente. Peçamos-lhe não somente para nós mesmos, senão também para tantos irmãos nossos desviados: Domine, ut videam — “Senhor, fazei-me ver”.

Amabilíssimo Jesus, Vós que sobre a cruz perdoastes aos que Vos crucificaram, e desculpastes o seu horrendo pecado perante o vosso pai, tende piedade de tantos infelizes que, seduzidos pelo Espírito da mentira, e com o riso nos lábios, vão neste tempo de falso prazer e de dissipação escandalosa, correndo para a sua perdição. Ah! Pelos merecimentos de vosso divino sangue, não os abandoneis, assim como mereceriam, Reservai-lhes um dia de misericórdia, em que cheguem a reconhecer o mal que fazem e a converter-se. — Protegei-me sempre com a vossa poderosa mão, a fim de que não me deixe seduzir no meio de tantos escândalos e não venha a ofender-Vos novamente. Fazei que eu me aplique tanto mais aos exercícios de devoção, quanto estes são mais esquecidos pelos iludidos filhos do mundo. “Atendei, Senhor, benigno às minhas preces, e soltando-me das cadeias do pecado, preservai-me de toda a adversidade.”(2) † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.

 

Quinta Meditação:

 

Sumário. A misericórdia de Deus é como que uma fonte inexaurível, donde tirará mais graças quem trouxer um vaso mais amplo de confiança. Se, pois, quisermos enriquecer espiritualmente, confiemos muito nos méritos de Jesus Cristo e na intercessão de Maria. Avivemos frequentemente esta nossa confiança, lembrando-nos de que Deus é bom e nos quer ajudar; que é poderoso e nos pode ajudar; que é fiel e prometeu ajudar-nos. Não busquemos, porém, uma confiança sensível, que redunda nos sentidos; basta que tenhamos a vontade de confiar.

 

  1. É nimiamente grande a misericórdia de Jesus Cristo para conosco; mas para nosso maior bem, Ele quer que obtenhamos a misericórdia por uma viva confiança baseada em seus merecimentos e em suas promessas. Por isso São Paulo nos exorta a que guardemos a confiança, dizendo que ela nos alcança de Deus uma grande recompensa: magnam habet remunerationem. ― Revelou o Senhor a Santa Gertrudes que a nossa confiança Lhe faz uma violência tão grande, que não pode deixar de atender-nos em tudo que Lhe pedirmos. No mesmo sentido escreve São Bernardo, que a divina misericórdia é como que uma fonte inexaurível, da qual tirará maior abundância de graças quem trouxer um vaso mais amplo de confiança, segundo o que disse o Salmista: Fiat misericordia tua, Domine, super nos, quemadmodum speravimos in te (1) ― “Venha, Senhor, sobre nós a vossa misericórdia, à proporção que em Vós temos esperado”.

 

Deus mesmo declarou que protege e salva todos os que nele confiam (2). Alegremo-nos, pois, dizia Davi, todos aqueles que esperam em Vós, meu Deus, porque serão eternamente bem-aventurados e Vós habitareis neles (3). E em outro lugar acrescenta que a misericórdia cerca e guarda àquele que confia no Senhor, e que estará ao abrigo dos perigos de perder-se (4).

Oh! quão grandes são as promessas que nas Sagradas Escrituras são feitas aos que esperam em Deus! Vemo-nos porventura perdidos por causa dos pecados cometidos? Eis que temos o remédio à mão: Vamos com confiança aos pés de Jesus, diz o Apóstolo, e ali acharemos o perdão: Adeamus cum fiducia ad thronum gratiae ― “Vamos com confiança ao trono da graça” (5). Não demoremos em nos aproximarmos de Jesus Cristo, até que esteja assentado como Juiz num trono de justiça; vamos agora, visto estar ainda num trono de graça e lembremo-nos sempre do que diz São João Crisóstomo: “O nosso Salvador tem mais desejo de nos perdoar do que nós desejamos ser perdoados”.

 

  1. Quem por causa de sua fraqueza teme a recaída nos pecados antigos, confie em Deus, e não recairá mais, conforme nos assegura o profeta: Non delinquent omnes qui sperant in eo (6) ― “Todos os que esperam nele, não pecarão”. Escreve Isaías que os que esperam no Senhor, terão sempre novas forças (7). ― Não vacilemos, pois, nunca em nossa confiança, como diz São Paulo, porque Deus prometeu proteger a quem nele espera. Por isso, quando se nos antolham dificuldades que parecem insuperáveis, digamos: Eu posso tudo n’Ele (Deus) que me fortalece (8). E quem é que tendo confiado no Senhor se perdeu? Nullus speravit in Domino et confusus est (9) ― “Nenhum esperou no Senhor e foi confundido”.

 

Não queiramos, porém, sempre ter uma consolação perceptível que redunde nos sentidos; basta que tenhamos a vontade de confiar. É esta a confiança verdadeira, o querer confiar em Deus, porque é bom e nos quer ajudar, poderoso e nos pode ajudar, fiel e prometeu ajudar-nos. Apoiemo-nos sobretudo na promessa que Jesus Cristo nos fez: Em verdade, em verdade vos digo: tudo que pedirdes a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo dará (10). Peçamos, portanto, a Deus as graças pelos merecimentos de Jesus Cristo, confiemos também na intercessão de Maria Santíssima e obteremos tudo o que quisermos.

Ó Pai Eterno, reconheço que sou pobre em tudo; nada posso e nada tenho que não me tenha vindo de vossas mãos. Não vos digo, portanto nada senão: Senhor, tende piedade de mim! O pior é que à minha pobreza ajuntei o desmerecimento de responder às vossas graças pelas ofensas que Vos fiz. Não obstante isso, quero esperar de vossa bondade esta dupla misericórdia: a primeira, que me perdoeis os meus pecados; a segunda, que me deis a santa perseverança em vosso amor, com a graça de sempre, até à minha morte, pedir-Vos que me ajudeis. Tudo isto peço e espero pelos merecimentos de Jesus, vosso Filho, e pelos da Bem-Aventurada Virgem Maria. Ó minha grande Advogada, valei-me com os vossos rogos.

 

Sexta Meditação:

Sumário. O pecador sabe que Deus não pode ficar com o pecado; vê que pecando obriga a Deus a afastar-se. Diz-Lhe portanto, não com palavras, mas de fato: Senhor, já não podeis ficar junto com o meu pecado e quereis partir, podeis ir-Vos embora. Expulsando assim Deus de sua alma, deixa entrar imediatamente o demônio, que dela toma posse. Que baixeza! Irmão meu, dize-me: praticaste tu também tão grande vilania para com Jesus Cristo?… Terás a triste coragem de a tornares a praticar no futuro?

 

  1. Deus vem a morar numa alma que o ama; é o que Jesus Cristo mesmo nos assegura dizendo: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e viremos a ele e faremos nele morada: Ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus” (1). Notemos as palavras: mansionem faciemus — “faremos morada”. Deus vem à alma a fim de nela permanecer sempre, de sorte que nunca a deixa, a não ser que a alma o faça sair, como diz o Concílio de Trento. — Mas, Senhor, Vós sabeis desde já que aquele ingrato Vos expulsará em qualquer momento: porque não partis agora? Quereis esperar que ele mesmo Vos expulse? Deixai-o e parti antes que ele Vos faça sofrer essa grande injúria. — Não, responde Deus, não quero retirar-me, enquanto ele mesmo não me repelir.

 

Assim, quando a alma consente no pecado, diz a Deus: Senhor, apartai-Vos de mim. Dixerunt Deo: recede a nobis (2). Não o diz vocalmente, mas de fato, como afirma São Gregório: Dicit: Recede, non verbis, sed moribus. — O pecador sabe antecipadamente que Deus não pode ficar com o pecado; vê que pecando obriga a Deus a afastar-se. É como se Lhe dissesse: Já que não podeis ficar junto com o meu pecado, já que quereis partir, podeis retirar-Vos. E expulsando Deus de sua alma, deixa entrar imediatamente o demônio, que dela toma posse. Pela mesma porta por onde sai Deus entra e vem estabelecer-se o seu inimigo: Et intrantes habitant ibi (3) — “Entrando habitam ali”.

Ao batizar-se uma criança, o padre ordena ao demônio: Sai desta alma, espírito imundo e sede o lugar ao Espírito Santo. Com efeito, aquela alma recebendo a graça converte-se em templo de Deus, como diz São Paulo (4). O contrário sucede inteiramente, quando o homem consente no pecado; então diz a Deus que reside em sua alma: Sai de mim, ó Senhor, e cede o lugar ao demônio. É disto exatamente que o Senhor se queixou a Santa Brígida, dizendo que é tratado pelos pecadores como um rei expulso de seu trono, no qual vai ser substituído por um salteador.

 

  1. Não há mágoa mais sensível do que o ver-se pago com ingratidão por pessoas amadas e favorecidas. Consideremos, portanto, como não deve ficar magoado o Coração sensibilíssimo de Jesus Cristo em ver-se posposto a um vil demônio e expulso brutalmente de uma alma pela qual derramou o seu preciosíssimo Sangue; tanto mais que semelhante baixeza se repete no mundo inteiro, em cada hora, milhares de vezes, especialmente nestes dias de carnaval.

 

— Meu irmão, tu ao menos te compadece de teu aflito Senhor; dá-lhe desagravo por frequentes atos de amor e se no passado o tivesses magoado, pede-lhe humildemente perdão.

Assim, meu Redentor, todas as vezes que pequei, expulsei-Vos de minha alma e fiz tudo que Vos deveria tirar a vida, se ainda pudésseis morrer. Eu Vos ouço perguntar-me: Quid feci tibi, aut in quo contristavi te? Responde-me — Que mal te fiz, e em que te desagradei, para me causares tantos desgostos? — Perguntais-me, Senhor, que mal me fizestes? Destes-me o ser e morrestes por mim: é este o mal que me haveis feito. Que deverei, pois, responder? Confesso que mereço mil infernos; e é justo que a eles me condeneis. Lembrai-Vos, porém, do amor que Vos fez morrer por mim na cruz; lembrai-vos do sangue que por mim derramastes e tende piedade de mim.

Mas já o sei, não quereis que desespere; ou antes avisais-me de que Vos conservais à porta do meu coração, donde Vos bani e que nela estais batendo por meio das vossas inspirações, a fim de novamente entrar. Gritais-me que eu abra: Aperi mihi, soror mea (5).

Sim, meu Jesus, expulso o pecado; arrependo-me de todo o meu coração e amo-Vos sobre todas as coisas. Entrai, meu amor, está aberta a porta; entrai e nunca mais Vos afasteis de mim. Prendei-me com os laços do vosso amor e não consintais que me torne a separar de Vós. Não, meu Deus, não queremos mais separar-nos; abraço-Vos, aperto-Vos ao meu coração; dai-me a santa perseverança: Ne permittas me separari a te — “Não permitais que me separe de Vós”.

— Maria, minha Mãe, socorrei-me sempre, rogai a Jesus por mim; alcançai-me a felicidade de nunca mais perder a sua graça.

 

 

Meditação para Quarta-feira de Cinzas

Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris – “Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar” (Gn 3, 19)

Sumário. Os insensatos que não creem na vida futura estimulam-se com o pensamento da morte a passarem bem a vida. De maneira bem diferente devemos nós proceder, os que sabemos pela fé que a alma sobrevive ao corpo. Nós, lembrando-nos de que em breve temos que morrer, devemos cuidar da nossa eternidade e por meio de oração e penitência aplacar a justiça divina. É com este intuito que a Igreja, depois de por as cinzas sobre a cabeça, nos ordena o jejum da Quaresma.

 

  1. Para compreendermos em toda a sua extensão o sentido destas palavras, imaginemos ver uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro. Ó Deus, a cada um que vê este corpo, inspira nojo e horror. Não passaram bem nem vinte e quatro horas depois que aquela pessoa morreu e já o mau cheiro se faz sentir. É preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso, a fim de que o fedor não infeccione a casa toda. Os parentes com pressa mandam levar o defunto para fora da casa e entregar à terra.

 

Metido que foi o cadáver na sepultura, vai se tornando amarelo e depois preto. Em seguida, aparece em todos os membros uma lanugem branca e repelente, donde sai um pus infecto que corre pela terra e donde se gera uma multidão de vermes. Os ratos veem também procurar o pasto neste cadáver, roendo-o uns por fora, ao passo que outros entram na boca e nas entranhas. Despegam-se e caem as faces, os lábios, os cabelos; escarnam-se os braços e as pernas apodrecidas, e afinal os vermes, depois de consumidas todas as carnes, consomem-se a si próprios. E deste corpo só restará um esqueleto fétido, que com o tempo se divide, ficando reduzido a um punhado de pó.

Eis aí o que é o homem, considerado como criatura mortal. Eis aí o estado a que tu também, meu irmão, serás, talvez em breve, reduzido: um punhado de pó fedorento. Nada importa ser alguém moço ou velho, são ou enfermo: a todos caberá a mesma sorte, o que a Igreja recorda pondo as cinzas bentas indistintamente sobre a cabeça de todos: Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris — “Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar”.

 

  1. Os insensatos que não creem na vida futura e têm as verdades eternas por fábulas, estimulam-se, com a lembrança da morte, a levar vida folgada e a gozarem. Comedamus et bibamus; cras enim moriemur (1) — “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”. De maneira bem diferente, porém, diz Santo Agostinho, deve proceder o cristão, que pela fé sabe que a alma sobrevive ao corpo e que, depois da morte deste, terá de dar contas rigorosíssimas de tudo quanto tiver feito. — O cristão, que se lembra que em breve deverá deixar o mundo, cuidará da sua eternidade e procurará aplacar a justiça divina com penitências e orações. É por isso exatamente que a Igreja, depois de nos ter posto as cinzas sobre a cabeça, ordena a seus ministros que notifiquem aos fiéis o jejum quaresmal: Canite tuba in Sion: sanctificate ieiunium (2) — “Fazei soar a trombeta em Sião, santificai o jejum”.

 

Conformemo-nos, portanto, com as intenções de nossa boa Mãe; e como ela mesma o ordena, sejamos no santo tempo da Quaresma “mais sóbrios em palavras, na comida, na bebida, no sono, nos divertimentos” (3); e, o que é mais necessário, afastemo-nos mais de toda a culpa por meio de uma vida recolhida e consagrada à oração, porquanto, no dizer de São Leão, “sem proveito se subtrai o alimento ao corpo, se o espírito não se afasta mais da iniquidade”.

Ó meu amabilíssimo Redentor, consenti que eu una a minha salutar abstinência com a que Vós com tanto rigor por mim quisestes observar no deserto. Consenti também que nesta união eu a ofereça a vosso Pai Divino, como protestação de minha obediência à Igreja, em desconto de meus pecados, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas santas do purgatório. Tenho intenção de renovar esta oferta todos os dias da Quaresma. “Vós, porém, ó Senhor, concedei-me a graça de começar este solene jejum com devida piedade e de continuá-lo com devoção constante” (4), a fim de que, chegada a Páscoa, depois de ter ressurgido convosco para a vida da graça, seja digno se ressuscitar também para a vida da glória. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

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