Palavra do Mês de Setembro – “O Espírito me ungiu (…) para proclamar o ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,18-19).

“O Espírito me ungiu (…) para proclamar o ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,18-19).

Queridos irmãos, no próximo ano a Aliança de Misericórdia celebrará seus 25 anos de missão! Será para nós o “Ano da graça do Senhor”, que queremos viver e proclamar como família, com coração transbordante de gratidão, júbilo, fraternidade, perdão e misericórdia.

Enquanto nos preparamos para essa grande festa, é oportuno refletir sobre o conceito bíblico do “Ano da graça do Senhor”.

A primeira conexão que é possível estabelecer com o termo “Ano da graça do Senhor” remete ao Ano do Jubileu instituído por Deus com Moisés em Levítico 25,8-55, onde o Senhor estabeleceu, entre várias ordenanças, que de sete em sete anos a terra deveria descansar, configurando um ano sabático. A cada cinquenta anos ocorria o ano do jubileu, quando não deveria haver plantio ou colheita, toda a terra voltava a seus donos primários, os escravos eram devolvidos à suas famílias e todas as dívidas eram canceladas. Era um tempo de grande celebração e transformação social em Israel; um período tangível de restauração econômica e social, um lembrete poderoso da misericórdia e provisão de Deus.

Em sentido mais metafórico, o “Ano da graça do Senhor” se refere a um tempo de graça espiritual e de libertação. Quando Jesus proclamou estas palavras em Nazaré (cf. Lc 4,18), Ele estava anunciando o início de um tempo novo, de uma era de salvação, de esperança, perdão, cura e restauração espiritual.

Como Comunidade podemos considerar os nossos 25 anos como o nosso “tempo da graça”, um tempo especial para uma sempre mais consolidada transformação interior. Deus nos chama a ir ao encontro de sua misericórdia, a acolher seu perdão com alegria e gratidão e a nos prepararmos para uma profunda renovação espiritual.

“O Espírito me ungiu (…) para proclamar o ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,18-19).

Aproveitamos estes meses de espera para refletir sobre como podemos viver, fortalecer e facilitar este crescimento humano e espiritual, pessoal e comunitário.

Os meios que o Senhor nos oferece são tantos, mas aqui o desejo é de sublinhar o valor da UNIDADE, pois é ela que nos torna “comunidade cristã”, como afirmam nossos fundadores em sua Carta Testamento: “A unidade entre todos os membros de cada fraternidade e entre todas as expressões da obra, procurada ativa e constantemente, como fruto do amor recíproco, nos torne verdadeira comunidade cristã ¢a multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum¢ (At 4,32). Sem esta unidade nenhuma ação apostólica terá sentido. Pelo contrário, só a Presença viva do Senhor no meio de nós pode irradiar a salvação e alcançar a todos, tornando-nos templo de Deus” (§15).

Então, é claro que a vida fraterna é um dos pilares do nosso carisma, do nosso chamado e da nossa missão. Cada um da Aliança é chamado a construir a unidade, que não é algo abstrato, mas um valor muito concreto que se pode ver, tocar, sentir… e que se torna asas da Misericórdia divina. Pe. João Henrique nos escreveu em uma carta de comunhão: “Creio na força da comunhão, sei que as experiências partilhadas permanecem vivas e que esta comunhão entre irmãos nos conecta com a comunhão divina e nos torna ‘sacrários vivos da sua Presença’”.

Mas a comunhão não nasce e não cresce sozinha como as flores do campo. É necessário construí-la, defendê-la e mantê-la, sem negociá-la com os nossos interesses pessoais, pois quem nos une não é uma ideologia, nem um governo ou uma filosofia, é o próprio Cristo, rosto da misericordiosa do Pai.

Somente estando em comunhão com os irmãos em todos os elos do Movimento e vivendo o Evangelho que proclamamos, nossa evangelização será credível e dará seus frutos. Por este motivo, no “Ano da graça do Senhor” devemos voltar “ao primeiro amor”, voltar a Deus, mas através do irmão, pois “se não amamos nosso irmão, a quem vemos, como amaremos a Deus, a quem não vemos?” (1Jo 4,20-21). Devemos olhar com olhos “repletos de amor” para cada irmão de Comunidade, pois é assim que Deus olha para nós, e procurar (como bons pastores), sobretudo aqueles que precisam ser libertos dos nossos julgamentos, da nossa indiferença e egoísmo, das nossas etiquetas ou das falsas imagens que eles têm de si mesmos, dos irmãos e do próprio Deus. Somente libertos, esses irmãos conseguirão quebrar as correntes que os amarram e sair do próprio túmulo para viver a beleza do amor e da misericórdia.

Talvez, ao nosso lado, haja irmãos que precisam recuperar a vista, pois não conseguem mais enxergar importantes verdades sobre os outros, sobre si mesmo ou sobre os acontecimentos da vida; talvez outros se sintam oprimidos pelos próprios pecados, por um passado do qual ainda sentem o peso, ou esmagados pelo nosso amor nada gratuito e que eles não conseguem retribuir; talvez passemos diariamente ao lado de corações quebrantados, dos quais não conseguimos ouvir mais o batimento, pois corremos atrás dos nossos compromissos de evangelização, de estudo, de coordenação, de família e, enquanto isso, os irmãos feridos esperam ser levantados e amados, como o homem assaltado que ficou sem cuidados até a chegada do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37).

“O Espírito me ungiu (…) para proclamar o ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,18-19).

Nós, chamados a ser canais da Misericórdia de Deus, poderemos fazer fluir esta graça no mundo somente se a vivemos antes entre nós e, para conseguir, precisamos renovar diariamente o nosso sim a Deus, ao irmão, à vida! Nunca podemos esquecer que a Misericórdia é estreitamente ligada ao perdão de Deus, que continuamente nos regenera, nos transforma e nos devolve a dignidade de filhos. Por esta razão, o Ano da graça do Senhor não pode ser tal sem um aprofundado exame de consciência que nos coloque diante da nossa miséria, das nossas faltas grandes e pequenas, da nossa fraqueza na vivência do nosso maravilhoso carisma… E a graça do Senhor está justamente nisso: em tomar consciência de quem somos realmente, em poder recomeçar como novas criatura, em receber o perdão com a confiança e a alegria de filhos: filhos de um Pai Misericordioso.

Depois destes passos nos será possível ser não somente canais, mas pontes de misericórdia entre o céu e a terra, pontes entre vidas, entre a miséria de um e a riqueza do outro, pontes entre o médico e as feridas.

Ser ponte de misericórdia faz parte do nosso carisma, sobretudo ser ponte entre ricos e pobres, (material e espiritualmente), entre centro e periferia, entre Igreja e Igreja…

Se pensarmos em uma ponte, trata-se de um símbolo de conexão, superação de obstáculos e união. Segundo a Bíblia, as pontes podem ser interpretadas como símbolos de conexão entre Deus e a humanidade, bem como entre as pessoas. Elas representam a possibilidade de superar obstáculos e alcançar a reconciliação. A ponte é também um meio para superar um vazio, pois, geralmente embaixo da ponte não há nada até chegar ao solo. Se ninguém construir as pontes, quem terá que atravessar o abismo cairá e morrerá no imenso vazio da sua solidão, dos seus problemas, da sua depressão, da sua desconfiança…

“O Espírito me ungiu (…) para proclamar o ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,18-19).

Pudemos testemunhar muitas experiências de irmãos e irmãs que se encontraram na “ponte de misericórdia” e que, depois deste encontro, mudaram suas vidas. Uma experiência muito comovente e forte nos foi testemunhada por duas missionárias que foram em missão em Kigali, em Ruanda, onde ocorreu um conflito entre dois grupos étnicos, o Hutu e o Tutsi.

O padre que as acolheu lhes contou que sua paróquia era frequentada pelos dois grupos: o grupo das vítimas do genocídio, que haviam perdido os entes queridos, sofreram abusos inimagináveis, que carregam sequelas até hoje; e o grupo dos algozes, daqueles que mataram e torturam a etnia oposta. Muitos destes últimos foram para prisão e alguns ali dentro se converteram, se arrependeram. Agora estavam sendo libertos e estavam voltando para o vilarejo, onde a convivência era muito difícil. O padre tinha o desejo de que os dois grupos se encontrassem e vivessem a graça da reconciliação. Ele sentia, que a Aliança de Misericórdia possuía o carisma que os ajudaria a dar passos nesse caminho de reconciliação e, pela primeira vez, os Hutus e os Tutsis vivenciaram um dia de encontro juntos.

Na ocasião, as missionárias organizaram um momento de partilha, de oração e de adoração eucarística. O momento da adoração se transformou em oração de perdão e foi um verdadeiro Pentecostes. Uma mulher se encontrou frente ao assassino de sua família, o mesmo que tinha tentado matá-la e que, no tempo, tinha se arrependido. Ela declarou seu perdão em voz alta dizendo-lhe: “Hoje você, pelo seu arrependimento, recebeu o perdão de Deus e se morresse agora, iria para o paraíso; mas eu, mesmo sendo vítima, sem conceder-lhe o meu perdão não serei digna do paraíso”. Foi assim que se abraçaram e choraram juntos, curando com as lágrimas as feridas um do outro.

Todos começaram a pedir e a conceder o perdão, a Misericórdia havia tomado posse de cada coração e a Aliança foi a ponte que uniu estas vidas, a ponte que permitiu uma reconciliação que curou feridas, consolou corações, venceu a morte!

Em uma das suas cartas de comunhão sobre a fraternidade, o Pe. João Henrique colocou uma proposta de vivência da Misericórdia, e eu desejo propô-la novamente como exercício para a preparação ao “tempo da graça do Senhor”.

Cada um de nós experimentou em seu caminho de fraternidade graças e feridas. Assim:

  • Medite sobre a sua história, louve a Deus por todas as circunstâncias. Veja como transformar até as experiências mais doloridas em oportunidades de crescimento; em possibilidade de exercer Misericórdia, compaixão e transformar aquela ferida em fonte de graça;
  • Procure alguma pessoa que o tenha machucado na vida fraterna e peça ao Espírito Santo a “criatividade da sabedoria” para “colocar amor onde não houve amor”, assim verá o Amor triunfar em sua vida e na vida dos seus irmãos;
  • Que o seu coração seja sempre, em todas as circunstâncias, lugar de festa e de perdão, fonte de graça e de benção para todos!

É o hoje o tempo no qual cada um pode viver a experiência de um amor que nos acolhe assim como somos, que nos ama por primeiro, que nos perdoa setenta vezes sete.

Que o Senhor faça resplandecer a Sua face sobre ti e te dê a paz!

Maria Antonia

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