Irmã denuncia um massacre em Moçambique
Irmã Blanca Nubia Zapata Castaño é uma religiosa da Congregação das Carmelitas Teresas de São José, missionária em Moçambique, e que em recente relato em seu Facebook lançou um “grito de dor e indignação” frente à “catástrofe” que se vive atualmente em Cabo Delgado.
“Não posso calar mais este grito de dor e indignação com a forma vil e cruel com que os nossos irmãos desta região estão a ser despejados de suas próprias terras, despojados de tudo, mesmo do dom mais precioso que é a vida”, lamentou a religiosa.
De acordo com Ir. Blanca, há “três anos” o povo sofre em Moçambique, “dormindo no relento, escondendo-se entre arbustos, vendo suas precárias casas queimando, sofrendo de fome e sede, cheias de medo e espanto”.
“São três anos vendo como um conflito que surgiu apenas em uma aldeia pequena e que parecia ser apenas um assunto ‘tribal’ foi se estendendo impunemente perante a passividade e indiferença daqueles que têm a obrigação de salvaguardar e proteger o povo”, assinalou.
Segundo a religiosa, atualmente, praticamente toda a região norte da província de Cabo Delgado está “tomada pelos terroristas, que regam a seca terra com o sangue inocente de um povo que só pede uma coisa: Queremos viver em paz! Pobres, mas livres”.
Esta situação piorou neste ano de 2020, indicou Ir. Blanca, devido à violência acometida contra as principais sedes dos distritos de Mocimboa, Quissanga, Macomia e Muidumbe.
“Uma densa sombra de morte se espalhou por todo lugar deixando à sua passagem milhares de mortos, assassinados selvagemente sem que entendamos o porquê”.
Há hoje na região, indicou, “incontáveis desaparecidos e sequestrados, mais de 400.000 deslocados na cidade de Pemba e nos distritos e províncias vizinhas”.
Ir. Blanca lamentou que “a maioria dos deslocados viveram verdadeiros dramas humanos, que ultrapassam em muito qualquer filme de terror”. Segundo ela, o cenário é de “milhares de homens e mulheres com a dor marcada em seus rostos e com seus pequenos filhos nos braços desfalecidos de fome”.
“Anciãos, viúvas, órfãos, doentes, percorrendo a pé quilômetros inúmeros… Mulheres grávidas, algumas dando à luz nas estradas poeirentas. Adolescentes e jovens vagueando pelos montes, desconhecendo o paradeiro de seus entes mais queridos. Outros fogem para o mar desprovidos de segurança. Muitos morreram em naufrágios inevitáveis”, relatou.
Trata-se de uma “tragédia humana” que enfrentam “todos os dias e perante a qual centenas de pessoas e instituições responderam generosamente, trazendo recursos materiais e humanos para atenuar a situação”.
Diante de tal realidade, a religiosa lembrou que a comunidade de Carmelitas Teresas de São José segue ao lado Bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, e de outros missionários, que lutam e amam a vida neste contexto. “Continuamos ao lado do povo, com o que somos e temos”.
“Não nos cansamos de sair ao encontro daqueles que chegam exaustos aos lugares de acolhimento”, disse.
Assim, Ir. Blanca declarou que este é “o grito” que lança: “Não há direito! Onde estão os defensores dos direitos humanos? Onde estão os organismos internacionais cuja política é zelar pelo respeito e dignidade de todos os povos?
De que servem as políticas econômicas e as ajudas exteriores, quando só se ufanam de doar altas cifras em dinheiro, mas não combatem a corrupção reinante nestes países, que impede o povo humilde e sofredor de receber o que é para eles?”.
“Onde estão as vontades políticas dominantes que têm o poder de acabar com o massacre inexplicável, de um povo inocente, que tem a má sorte de ter nascido em cima de uma das maiores reservas de gás e sentar-se todos os dias em cima de grandes pedreiras de pedras preciosas, ouro, grafite… Mil perguntas sem resposta…”, concluiu a religiosa.
Cabo Delgado, a província mais ao norte de Moçambique, tem atravessado grande comoção desde outubro de 2017. Mais de 2 mil pessoas morreram em ataques no norte de Moçambique desde então e outras 310 mil foram forçadas a abandonar as suas casas, de acordo com a Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN).
Segundo ACN, as mortes foram causadas por mais de 600 ataques brutais em nove distritos diferentes, pelas mãos de insurgentes armados que alegam lealdade ao Estado Islâmico.
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