Homilia do Papa Francisco na abertura do Sínodo da Amazônia

O apóstolo Paulo, o maior missionário da história da Igreja, nos ajuda a “fazer Sínodo”, a “caminhar juntos”; parece dirigido a nós, Pastores ao serviço do povo de Deus, aquilo que ele escreve a Timóteo.

Recebemos um dom para sermos dons

Começa dizendo: “Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos” (2 Tm 1, 6).

Somos bispos porque recebemos um dom de Deus. Não assinamos um acordo; colocaram-nos, não um contrato de trabalho nas mãos, mas mãos sobre a cabeça, para sermos, por nossa vez, mãos levantadas que intercedem junto do Senhor e mãos estendidas para os irmãos.

Recebemos um dom para sermos dons. Um dom não se compra, não se troca nem se vende: recebe-se e dá-se de presente.

Se nós nos apropriarmos dele, se colocarmos a nós mesmos no centro e não deixarmos no centro o dom, passaremos de pastores a funcionários: fazemos do dom uma função e desaparece a gratuidade; assim acabamos por servir a nós mesmos, servindo-nos da Igreja, quando a nossa vida, dom recebido, é para servir.

Isto nos é recordado pelo Evangelho, que fala de “servos inúteis” (Lc 17, 10); expressão esta que pode querer dizer também “servos sem lucro”.

A alegria do serviço

Por outras palavras, não trabalhamos para obter lucro, um ganho nosso, mas, sabendo que gratuitamente recebemos, gratuitamente damos (cf. Mt 10, 8).

Colocamos toda a nossa alegria em servir porque fomos servidos por Deus: Ele Se fez nosso servo. Queridos irmãos, sintamo-nos chamados aqui para servir, colocando no centro o dom de Deus.

Para sermos fiéis a este chamado, à nossa missão, São Paulo nos lembra que o dom deve ser reaceso. O verbo usado é fascinante: reacender é, literalmente, “dar vida a uma fogueira” [anazopurein]. O dom que recebemos é um fogo, é amor ardente a Deus e aos irmãos.

O fogo não se alimenta sozinho; morre se não for mantido vivo, se apaga se as cinzas o cobrirem. Se tudo continua igual, se os nossos dias são pautados pelo “sempre se fez assim”, então o dom desaparece, sufocado pelas cinzas dos medos e pela preocupação de defender o status quo.

Fogo à terra

Mas “a Igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de ‘manutenção’ para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo.

O ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial” (Bento XVI, Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, 95). Jesus veio trazer à terra não a brisa da tarde, mas o fogo.

O fogo que reacende o dom é o Espírito Santo, doador dos dons. Por isto São Paulo continua: “Guarda, pelo Espírito Santo que habita em nós, o precioso bem que te foi confiado” (2 Tm 1, 14).

E antes ele tinha escrito: “Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de prudência” (1, 7). Não um espírito de timidez, mas de prudência: em oposição à timidez, Paulo coloca a prudência. Que é, então, esta prudência do Espírito?

Como ensina o Catecismo, a prudência “não se confunde com a timidez ou o medo”, mas “é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de atingi-lo” (n. 1806).

Virtudes do pastor

A prudência não é indecisão, não é um comportamento defensivo. É a virtude do pastor que, para servir com sabedoria, sabe discernir, sensível à novidade do Espírito. Então, reacender o dom no fogo do Espírito é o oposto de deixar as coisas correrem sem se fazer nada.

E ser fiéis à novidade do Espírito é uma graça que devemos pedir na oração. Ele, que faz novas todas as coisas, nos dê a sua prudência audaciosa; inspire o nosso Sínodo a renovar os caminhos para a Igreja na Amazônia, para que não se apague o fogo da missão.

O fogo de Deus, como no episódio da sarça ardente, arde mas não consome (cf. Ex 3, 2). É fogo de amor que ilumina, aquece e dá vida; não fogo que alastra e devora. Quando, sem amor nem respeito, se devoram povos e culturas, não é o fogo de Deus, mas do mundo.

Alertas

Contudo, quantas vezes o dom de Deus foi não oferecido, mas imposto! Quantas vezes houve colonização em vez de evangelização! Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos. O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho.

O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com a partilha, não com os lucros. Pelo contrário, o fogo devorador se alastra quando se quer fazer triunfarem apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos.

Reacender o dom; receber a prudência audaciosa do Espírito, fiéis à sua novidade; São Paulo faz uma última exortação: “Não te envergonhes de dar testemunho (…), mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus” (2 Tm 1, 8). Pede para testemunhar o Evangelho, sofrer pelo Evangelho; numa palavra: viver para o Evangelho.

Anunciar o Evangelho

O anúncio do Evangelho é o critério primeiro para a vida da Igreja. Mais adiante, Paulo escreve: “Estou pronto para oferecer-me como sacrifício” (4, 6). Anunciar o Evangelho é viver a oferta, é testemunhar radicalmente, é fazer-se tudo por todos (cf. 1 Cor 9, 22), é amar até o martírio.

De fato, como assinala o Apóstolo, serve-se o Evangelho não com a força do mundo, mas simplesmente com a força de Deus: permanecendo sempre no amor humilde, acreditando que a única maneira de possuir verdadeiramente a vida é perdê-la por amor.

Queridos irmãos, olhemos juntos para Jesus Crucificado, para o Seu coração aberto por nós. Comecemos dali, porque dali brotou o dom que nos gerou; dali foi derramado o Espírito que renova (cf. Jo 19, 30). Dali, sentimo-nos chamados, todos e cada um, a dar a vida.

Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos.

Segundo Fonte de Aleteia.org

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