Com mais de duas décadas de missão, Aliança encerra atividades na Favela do Moinho
O som dos trens que cortam a cidade de São Paulo acompanha, há mais de vinte anos, a rotina dos moradores da Favela do Moinho. Entre os trilhos da CPTM e as ruínas de um antigo moinho de trigo, cresceu uma das comunidades mais simbólicas da capital paulista — marcada por abandono, resistência e fé. Foi ali que a Aliança de Misericórdia fincou seus pés e seu coração. Agora, diante de mudanças urbanas anunciadas pelo poder público, um ciclo se encerra: após mais de duas décadas de presença ativa, a Aliança se despede das atividades que mantinha na comunidade.
A decisão vem após o anúncio da desocupação da favela, feito pelo Governo do Estado em setembro de 2024. Segundo o projeto, a área dará lugar ao Parque do Moinho, uma iniciativa de requalificação urbana que prevê a remoção total das moradias. Desde então, famílias vêm sendo indenizadas e, progressivamente, deixando o local.
Tudo começou com um “sim”
A missão da Aliança de Misericórdia na Favela do Moinho começou no início dos anos 2000, em um cenário de profunda vulnerabilidade social. O espaço era marcado pela ausência de infraestrutura básica, pela violação de direitos e por uma dura realidade de pobreza, violência e exclusão.
Foi nesse contexto que surgiram os primeiros sinais de esperança. A partir da presença constante dos missionários e missionárias, foram criados projetos que se tornaram referência na região: a Capela Nossa Senhora Aparecida, onde centenas de pessoas foram acolhidas ao longo dos anos, participando de celebrações, momentos de oração, batizados e primeiras eucaristias; o Oratório São Domingos Sávio, com atividades de contraturno escolar que chegaram a atender cerca de 120 crianças e adolescentes; e a Escola de Educação Infantil São Miguel Arcanjo, que acolhe cerca de 100 crianças de até 6 anos de idade da comunidade e do entorno.
Além disso, atualmente, três missionárias da Aliança vivem no Moinho, mantendo a presença da Igreja e o acompanhamento próximo às famílias, sobretudo nesse momento de transição.
Onde muitos viam abandono, brotou fé
Ao longo dos anos, a presença da Aliança se entrelaçou com a história dos moradores do Moinho. Em 2011, um incêndio de grandes proporções destruiu boa parte da comunidade, deixando centenas de famílias desabrigadas. A única construção que resistiu ao fogo foi justamente a Capela construída pela Aliança, que permaneceu intacta, tornando-se ainda mais um sinal de fé para o povo que ali lutava para recomeçar.
Em todos os momentos, a Aliança caminhou com o povo: organizando mutirões, distribuindo doações, celebrando os sacramentos, acompanhando casos de violência, lutando por direitos básicos como saúde, educação e documentação. A missão nunca foi apenas assistencial: sempre esteve fundamentada na evangelização e na promoção da dignidade humana, à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja.
É tempo de confiar e recomeçar
Com a saída progressiva das famílias e o fim previsto da ocupação, a Aliança decidiu encerrar as atividades da Escola Infantil São Miguel Arcanjo, considerando o número de escolas que atendem esse público na região. O espaço será agora utilizado para a transferência e continuidade do Oratório São Domingos Sávio.
Em comunicado oficial, a diretora social da Aliança, Vanessa Santos Tinelli, explicou os motivos:
“Com o fim da Comunidade do Moinho, deixarão de existir a capela e a casa dos missionários. Já o Oratório será transferido para o atual espaço da São Miguel, e como já há outros locais com esse serviço de educação infantil na região, deixaremos de fazê-lo para que no lugar se instale o Oratório, continuando com o contraturno escolar.”
Padre Evandro Henrique Torlai, presidente da Aliança de Misericórdia, também comentou a decisão:
“Estamos encerrando uma etapa e dando início a outra. Foi um tempo de muita doação e aprendizagem. Agradecemos a todos os que passaram por lá e nos ajudaram a transformar, com gestos simples e concretos, a vida de tantas famílias. Agora, seguimos para onde o Espírito nos conduzir.”
Evangelizar e permanecer com o povo
Mesmo com o encerramento das atividades sociais, a missão da Aliança não termina. As ações pastorais continuam até a fase final de desocupação, acompanhando as últimas famílias que ainda vivem na área e promovendo momentos de espiritualidade, como as celebrações eucarísticas aos sábados.
O testemunho da Igreja permanece vivo na memória da comunidade — não apenas pelas estruturas construídas, mas principalmente pela presença constante, pela escuta, pelo acolhimento e pela fé partilhada em meio às realidades mais duras.
A semente lançada há mais de vinte anos continua germinando, não só naquele território, mas também na vida das centenas de crianças, jovens e famílias que foram tocadas pela misericórdia.
Quando muitos se unem, milagres acontecem: o MIR no Moinho
Entre as diversas iniciativas promovidas pela Aliança de Misericórdia na Favela do Moinho, destaca-se o Mutirão Internacional Restaura-me (MIR). Realizado anualmente, o MIR reúne missionários, voluntários locais e internacionais, incluindo participantes da Polônia, para uma semana de ações sociais e evangelizadoras.
Durante o MIR, foram realizadas atividades como reformas e pinturas de casas, limpezas, celebrações de missas diárias, evangelização com crianças, visitas a cortiços e ações de apoio a detentos e pessoas em situação de rua. A edição de 2024 ocorreu de 6 a 11 de agosto, reforçando o compromisso da Aliança com a restauração integral das comunidades atendidas.
A missão não acaba: ela frutifica
Encerrar uma missão não significa pôr fim ao que foi vivido. A presença da Aliança na Favela do Moinho deixa marcas não apenas nas ruas e construções, mas nos corações daqueles que foram acompanhados, evangelizados e amados ao longo desses mais de vinte anos.
Agradecemos imensamente a todos que contribuíram para que esta missão acontecesse com tanto amor, competência e doação. Seguimos confiantes de que Aquele que iniciou esta obra continuará a conduzir nossos passos com sabedoria, providência e misericórdia!
“A obra é de Deus, e Ele cuidará de cada um.”
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