A vida ordenada

Continuando nosso caminho em direção à busca das virtudes, seria importante definir algumas coisas. Primeiramente, preciso dizer que ao tratar sobre elas, tratarei quase que exclusivamente sobre aquilo que todo homem pode conquistar, independentemente de sua crença ou religião. Mas calma, não se escandalize. Isso não quer dizer que deixarei minha fé de lado, nem mesmo a eficácia da graça neste caminho para adquirir as virtudes. Mas é preciso entender que o que será tratado aqui está na possibilidade de todo ser humano, já que todos podem chegar ao conhecimento do bem guiados pela sua razão.

Por isso, mais que um caminho teológico, falaremos de um caminho antropológico, isto é, que parte do homem e de suas capacidades humanas. Em segundo lugar, será preciso esclarecer e definir alguns conceitos, já que ninguém é capaz de exercer com qualidade algo que desconhece. Como seres humanos fomos criados para uma finalidade e com todas as capacidades predispostas para alcançá-la. Mas de que vale possuir isso se não sabemos usar?

Tente imaginar uma pessoa que recebe de presente um lindo piano, ela então o coloca na sua sala, bem visível para todos que entram. Mas imagine que essa pessoa não domine a arte da música, e não saiba nada sobre como tocar este instrumento. Pois bem, fica claro que aquele piano ficará ali como mero objeto de decoração, e não será usado para a finalidade que foi criado: a música. E aí podemos nos perguntar: de que modo o piano estará sendo utilizado de maneira mais perfeita? Como um objeto de decoração ou sendo usado para executar uma bela música? Pois bem, de forma análoga podemos pensar no homem. Quanto mais agirmos de acordo com a nossa natureza (entendendo-a no seu estado perfeito e não caída pelo pecado), mais estaremos próximos de nossa felicidade. E é exatamente aqui onde começamos a falar sobre a virtude.

Mas o que é a virtude? Para responder a esta pergunta precisamos voltar até a filosofia grega. Com certeza você já deve ter ouvido falar de Sócrates, Platão e Aristóteles. Talvez eles não sejam muito importantes para você, mas saiba que muito do que hoje sabemos, até mesmo no que se refere a nossa teologia, provém do que esses homens falaram. Eles foram os primeiros a estabelecer os princípios para a ética e a vida em sociedade, além de outras coisas, que não entram neste tema.

Aristóteles, por exemplo, em seu livro “Ética a Nicomaco”, desenvolveu o tema da felicidade, dizendo que ela é o bem supremo e fim último de todo homem. Todos os outros bens são inferiores e devem auxiliá-lo para chegar até ela. Para o filósofo, uma pessoa poderia ser considerada feliz quando usasse perfeitamente de todas as suas potencias, e estivesse exatamente fazendo o que foi feita para fazer. Voltemos ao exemplo do piano.

Segundo Aristóteles, um piano é verdadeiramente um piano quando alguém extrai dele todas as suas capacidades. Assim, ele é perfeito quando possui todos os elementos para fazer música e é manipulado com perfeição por alguém. Ali podemos admirar a beleza de um piano em sua máxima expressão. Da mesma forma, salvas as grandes diferenças, o homem só pode ser feliz quando consegue extrair de si todas as suas potências que o fazem ser homem. Mas espere um pouco, não estamos falando de extremismos e exageros, mas de equilíbrio.

Assim como na natureza, tudo o que existe está em perfeito equilíbrio, e assim também deve estar o homem. Segundo o filósofo, e com toda a razão, existe uma ordem estabelecida no universo, e o homem participa dela como parte de um todo. Pois bem, já que o fim do homem é a felicidade e que ela consiste na perfeita extração e exercício de suas qualidades de forma equilibrada, é fácil perceber que há algo de errado com o ser humano quando busca desordenadamente os bens. Portanto, conseguir ordenar o que está desordenado e desequilibrado é uma necessidade de todo ser humano.

Aqui é onde entra a virtude, pois ela é um estado de caráter, um hábito que permite ao indivíduo agir com excelência, encontrando o justo meio entre dois extremos: a deficiência e o excesso. Portanto, a virtude é o justo equilíbrio entre dois vícios. Mais adiante ficará mais claro ao especificar e exemplificar algumas delas. Por hora, ficaremos com isso.

Dentre as principais virtudes necessárias para uma vida equilibrada, encontramos as quatro virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Segundo o catecismo da Igreja Católica elas “são perfeições habituais e estáveis da inteligência e da vontade humanas, que regulam os nossos actos, ordenam as nossas paixões e guiam a nossa conduta segundo a razão e a fé. Adquiridas e reforçadas por actos moralmente bons e repetidos, são purificadas e elevadas pela graça divina”. Veja como esta definição resume bem tudo o que foi dito até aqui. Nos próximos textos, falarei detalhadamente de cada uma delas, assim como as virtudes que delas se derivam e os vícios que elas combatem. Vamos juntos neste caminho.

 

Deus te abençoe,

Pe. Luís Fernando Cardoso Viana

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