O homem, sacramento do Amor de Deus – Maio 2017

MAIO/2017

Quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar.

(1Jo 4,20b)

Quando tinha 19 anos, escutei um Padre, que, durante um encontro de jovens, nos perguntou: “sabem quantos são os sacramentos da Igreja?” Logo respondemos “sete! É claro: o batismo, a confissão, a eucaristia, o crisma, o matrimônio, a ordem e a unção dos enfermos!”

Ele sorriu pra nós e nos disse: “é verdade, mas estão esquecendo um sacramento que, de alguma forma, é o mais importante, pois é a condição indispensável para todos os demais sacramentos serem vividos bem e com eficácia!” Após um momento de silêncio que expressava toda a nossa curiosidade, acrescentou:

“O HOMEM! Pois não podemos amar verdadeiramente a Deus, que não vemos, se não amamos o irmão que vemos!”.

Vejam, nos disse, se, por exemplo, eu confessar os meus pecados mas não perdoar quem me ofendeu, também Deus não poderá perdoar as minhas culpas! Não por acaso, ao ensinar o Pai-Nosso para os seus apóstolos, Jesus acrescentou:

Pois, se perdoardes aos homens seus delitos, também vosso Pai celeste vos perdoará, mas se não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará vossos delitos” (Mt 6,14-15).

Pessoalmente, fiquei fortemente impressionado, pois tantas vezes tinha ouvido este trecho de São Mateus, mas nunca tinha reparado quanto concretas seriam suas consequências práticas na minha vida!

Comunhão com a Igreja

Ainda, falando a respeito do sacramento da Eucaristia, nos disse que de nada valeria celebrar o sacramento Eucarístico, se alguém não estivesse em comunhão com os irmãos, pelo contrário, citando São Paulo, acrescentou que a falta de caridade com os irmãos, a falta de partilha com os pobres, tornaria aquela celebração “sacrílega” e, por isso, se lê:

que cada um examine a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois aquele que come e bebe, sem discernir o Corpo, come e bebe da própria condenação.

Eis porque, há entre vós tantos débeis e enfermos e muitos morreram” (1Cor 11, 28-30). São Mateus também nos adverte “portanto se estiveres para trazer a tua oferta ao altar e ali te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali, diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, depois virás apresentar a tua oferta” (Mt 5, 23-26).

Lembro que estas verdades mudaram radicalmente minha vida espiritual. Foram uma verdadeira “revolução”. Entendi que o amor para com os irmãos era o caminho privilegiado, e mais seguro, para encontrar o Senhor!

Quanto é concreto o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo e quanto é “encarnada” a nossa fé, pois “o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

Uma religião que não mude os nossos relacionamentos, que não converta nosso o coração de pedra, incapaz de ternura e compaixão, de partilha e misericórdia, que não transforme a história, seria uma religião alienante e espiritualista e não o verdadeiro caminho, que Jesus veio nos indicar, pelo Santo Evangelho!

Não por acaso São Tiago na sua carta escreve: “com efeito a religião pura e sem mancha diante de Deus nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção deste mundo” (Tg 1,27).

Quantas vezes reduzimos a religião a uma série de normas e prescrições e esquecemos do essencial, daquela que é considerada a “regra de ouro” de todo cristianismo: “portanto tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-os vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7,12).

Frequentemente nos comportamos com Deus como insensatos, loucos, que preparam um pacote de presente maravilhoso, com papel prateado, fitas coloridas, palavras bonitas e o entregamos vazio, esquecendo-nos de colocar qualquer regalo dentro dele!

De fato, todos os preceitos “se resumem nesta sentença: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto a caridade é a plenitude da Lei” (Rm 13,9-10).

Quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar.

(1Jo 4,20b)

O Papa São João Paulo II, em sua encíclica “Redemptor Hominis”, escreveu: “o homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento de sua missão: ele é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo” (RH 14).

Não há outro caminho: “se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha as entranhas, como permaneceria nele o Amor de Deus? Filhinhos, não amemos com as palavras, nem com a língua, mas com ações e na verdade” (1Jo 3,17-18).

Vejamos o que a Palavra nos fala em propósito, um breve “passeio” nas Escrituras Sagradas. Através da Palavra, o Senhor nos ensina e nos alerta que AMAR o IRMÃO é condição para:

  • Ver a Deus: “Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e seu amor em nós é perfeito” (1Jo 4,12)
  • Ser gerados por Deus e conhecer a Deus: “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus; aquele que não ama, não conhece a Deus” (1Jo 4,7-8)
  • Permanecer em Deus: “Aquele que permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 4,12-13.15)
  • Viver como ressuscitados: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos” (1Jo 3,16)
  • Sermos perdoados: “O amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4,8)
  • Manifestar o seu Amor: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35)
  • Que o mundo creia: “Que todos sejam um… para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21)
  • Encontrar o Cristo e o seu Pai: “Quem acolhe um destes pequeninos no meu nome, acolhe a mim, e quem acolhe a mim, não acolhe a mim, mas Aquele que me enviou” (Mc 9,37)
  • A salvação eterna: “Vinde benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo, pois tive fome e me destes de comer…” (Mt 25,31-46)

Realmente o homem é o primeiro e fundamental caminho da Igreja.

Quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar.

Viver esta Palavra

Praticando concretamente a caridade para com os irmãos, com toda a criatividade do Amor, não última, a caridade para com os pobres. Escrevia S. João Maria Vianney:

Frequentemente acreditamos estar ajudando um pobre e na realidade acontece que é o Nosso Senhor Jesus Cristo… alguns dizem: ‘mas ele vai usar mal este dinheiro!’ Que ele faça o uso que quiser. O pobre será julgado sobre o uso que terá feito da esmola, mas vocês serão julgados sobre a caridade que terão feito ou terão deixado de fazer”.

Na vida de Santa Catarina de Sena, várias vezes o Senhor se apresentava como pobre, que pedia uma ou outra coisa e que depois lhe aparecia, mostrando quanto tinha recebido dela e que então devolvia, como prêmio eterno, resplandecente de glória.

Sabemos, enfim, que amar não é apenas “doar”, é principalmente “doar-se”, a começar da nossa atenção pois, como dizia Madre Teresa de Calcutá: “a atenção é o começo da santidade”. De fato, todos nós somos filhos da “cultura do descarte, da exclusão” e da “globalização da indiferença”, como sempre nos alerta o Papa Francisco.

Termino contando uma experiência de um Bispo italiano que poderá levar-nos a um propósito concreto para vivermos, de forma mais eficaz, esta Palavra.

Este Pastor foi convidado um dia para uma solene celebração, numa rica Paróquia da sua Diocese. Liturgia impecável, cantos solenes, procissão de entrada magnificamente organizada. De repente, o Bispo vê, sentado na porta da Igreja um pobre, sujo, que pedia esmola.

O Bispo, então, parou a procissão e perguntou ao Padre se conhecia aquele homem. “Está sempre aqui, pede esmolas”. O Bispo aproximou-se do mendigo e perguntou o nome e a idade dele. Por último disse: “Ninguém te convidou para entrar na Igreja?” – “Ninguém, excelência!” responde o pobre. “Então, entra comigo!”.

O Bispo pegou o pobre debaixo do braço e entrou para a celebração. Todo mundo ficou surpreendido, o coral parou o cântico de entrada, pois o Bispo procurava um lugar para o pobre nos bancos e só com muita dificuldade o encontrou. Na pregação percebeu um certo desconcerto.

Pareceu que a presença do pobre, tinha atrapalhado a solene procissão e a cerimônia. Então ele diz: “Já perceberam? Hoje quase deixamos fora da Igreja o próprio Cristo! Corríamos o perigo de viver uma grande festa e excluir o próprio festejado!

Nunca podemos esquecer que, quem acolhe um destes pequenos é o Cristo que acolhe. Ao celebrarmos a Eucaristia não podíamos deixar Jesus fora da porta!”. O povo silenciou, mas contava o próprio Bispo: “nunca mais me convidaram para celebrar naquela Paróquia!”

Aqui vai o nosso propósito concreto: procuramos dar uma atenção particular a alguém que normalmente costumamos encontrar, sem “encontra-lo” de verdade.

Não nos acostumemos a viver relacionamentos superficiais ou de indiferença, ou pior, contaminados por pequenas mágoas, que nos impeçam de experimentar que, realmente: “quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20b).

Pe. João Henrique

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